9 DE JANEIRO DE 2021
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do próprio artigo 152.º, n.º 3, da Constituição, lido à luz do duplo princípio da representação
política e da inserção institucional do Deputado na Assembleia4»;
1.6. Em seu entendimento, «o Parlamento é a assembleia representativa de todos os portugueses
(artigo 147.º) e representação pressupõe eleição, torna-se imprescindível que, em cada
momento, os eleitores se reconheçam naqueles que os representam; que os candidatos eleitos
de acordo com os critérios do sistema eleitoral coincidam com os Deputados que, efetivamente,
até nova eleição, têm assento na Assembleia; que sejam garantidas tanto uma identidade de
posicionamento político como uma identidade de pessoas na titularidade dos mandatos. O
direito de sufrágio, entendido em plenitude, implica esta relação constante e é vulnerado ou
restringido inconstitucionalmente (artigo 18.º), quando ele se perca5, pelo que para a suspensão
temporária de Deputado muito menos, são atendíveis razões pessoais ou partidárias6»;
1.7. Neste contexto, referem que «A ‘fungibilidade dos Deputados’, com substituições frequentes,
mais ou menos longas ou mais ou menos breves (e levando, ao fim de pouco tempo, a uma
composição efetiva da Assembleia diversa daquela com que se iniciou a legislatura), põe em
causa a vida institucional e a própria autoridade do Parlamento7».
1.8. A estabilidade parlamentar é, assim, um valor constitucional que só muito limitadamente, nos
termos apertados do artigo 18.º da CRP, pode ser restringido, o que terá justificado, em 2006,
a alteração ao Estatuto dos Deputados, restringindo as situações justificativas da suspensão de
mandato a «doença grave que envolva impedimento do exercício das funções por período não
inferior a 30 dias nem superior a 180, ao exercício da licença por maternidade ou paternidade e
à necessidade de garantir seguimento de processo nos termos do n.º 3 do artigo 11.º.»
1.9. A aplicação direta destas normas, sem atender ao quadro jurídico-constitucional em que se
inserem, conduz, em nosso entender, a resultados de difícil conformação constitucional.
1.10. Desde logo, quanto à validade das normas contidas no próprio Estatuto dos Deputados; Jorge
Miranda e Rui Medeiros referem expressamente a sua inconstitucionalidade: «Como a lei
eleitoral para a primeira eleição da Assembleia da República teve de ser publicada antes da
entrada em vigor da Constituição, não pôde regular a matéria; nem se esperou por uma lei
eleitoral definitiva. Viria a ser o Estatuto dos Deputados — cuja primeira versão foi a Lei n.º 5/76,
de 10 de setembro (na sequência do regimento) — que dela se ocuparia. E a solução perduraria
até agora, apesar de inconstitucional (por se tratar de matéria de lei eleitoral, conforme diz o
artigo 153.º, n.º 2 da Constituição — e agravada, desde 1989, por as eleições dos titulares de
órgãos de soberania, ao contrário do Estatuto, ficarem sujeitas aos procedimentos das leis
orgânicas [artigos 164.º, alíneas a) e m), 166.º, n.º 2, 168.º, n.º 5, 136.º, n.º 3, e 278.º, n.º 4]8.»
1.11. Mesmo que assim não se entenda e se aceitasse apenas como válidas as três circunstâncias
elencadas no Estatuto dos Deputados (suspendendo-se, por ora, os argumentos quanto à sua
constitucionalidade), permaneceriam em aberto outras questões por resolver:
a) Se se aceitar que o catálogo do Estatuto dos Deputados é fechado, ou seja, que não existe
nenhuma outra justificação válida para a suspensão provisória de Deputado, e sendo
incontornável o direito do Deputado candidato a outro órgão político eletivo à dispensa de
funções, seríamos forçados a concluir que as normas contidas no Estatuto dos Deputados
se sobrepõem ao princípio constitucional da estabilidade parlamentar, dado que, em vez de
substituído, o Deputado candidato estaria ausente, o que, aliás, a CRP parece não consentir
no seu artigo 153.º, n.º 1 9;
4 MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, Constituição..., p. 460. De referir que esta anotação é anterior à alteração ao Estatuto do Deputado, introduzida por via da Lei n.º 44/2006, de 25 de agosto, que restringiu o regime de substituição dos Deputados por motivo relevante ao eliminar a possibilidade de ser invocado motivo relevante perante a Comissão de Ética e por esta ser considerado justificado. De salientar ainda que a anotação refere o artigo 152.º, n.º 3, o que ocorre certamente por mero lapso, dado que em causa está o artigo 153.º, n.º 3. 5 MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, Constituição..., idem. 6 MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, Constituição..., ibidem. 7 MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, Constituição..., p. 461. 8 MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, Constituição..., p. 459. 9 O que também inviabiliza o argumento de que em campanha eleitoral para as eleições autárquicas a Assembleia da República seria confrontada com dezenas de pedidos de substituição, dado assumirem a qualidade de candidatos aos