16 DE JANEIRO DE 2021
15
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado
António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que discutimos esta
matéria. Fizemo-lo mas o diploma aqui aprovado foi vetado, porque o PS e o PSD, que eram subscritores, não
se entenderam sobre a questão da existência, ou não, de um dever de declaração dos clientes dos vários
lobistas que se registassem.
Essa iniciativa foi vetada, não entrou em vigor e o que podemos esperar de melhor é que isso volte a
acontecer, ou seja, que as iniciativas legislativas aqui apresentadas não cheguem a bom porto, porque nos
parece que não são bons contributos para a democracia nem para a transparência. Diremos, até, que são falsos
contributos, ou seja, invocando o propósito da transparência, não dão nenhuma contribuição útil em benefício
desse valor.
Estas iniciativas são do, há muito tempo declarado, interesse óbvio de empresas que pretendem inscrever-
se como lobistas para prestar serviços profissionalizados de influência de titulares de cargos políticos e de
cargos públicos. E não se pense que isso contribui para a transparência. Já aqui foi dito e é certo que, se há
interesses inconfessáveis que se possam esconder por detrás de iniciativas legislativas, esses interesses
inconfessáveis não se vão confessar por via da aprovação deste tipo de legislação.
O Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo referia, há pouco, aquela máxima da mulher de César, a quem
não basta ser séria, é preciso parecer. O que se nos oferece dizer é que, com uma iniciativa destas, a mulher
de César não precisa ser séria, basta parecer.
Risos do Deputado do BE José Manuel Pureza.
Ou seja, basta que haja um registo para que tudo fique esclarecido e transparente, para que tudo possa
funcionar com total transparência, quando sabemos que, efetivamente, não é assim. Seria uma absoluta
ingenuidade pensar que seria assim.
Mas, sob outro ponto de vista, estas iniciativas têm algo de negativo. Para já, procuram anatematizar qualquer
entidade que, muito legitimamente, queira alertar a Assembleia da República para a necessidade de se tomar
uma determinada medida legislativa ou para a incorreção ou inadequação de alguma medida legislativa.
Consideramos que os contributos que os cidadãos e as associações representativas dos mais diversos
setores possam dar ao processo legislativo são bem-vindos. Mais: as entidades que, legitimamente, queiram
intervir no processo legislativo só têm a ganhar em divulgar, elas próprias, essas posições, o mais amplamente
possível e é do interesse dos grupos parlamentares, dos partidos políticos e das entidades que recebam esses
contributos publicitá-los, e isso é feito. Basta ver o boletim informativo da Assembleia da República para verificar
que os grupos parlamentares publicitam os contactos que têm e que as comissões parlamentares não só
publicitam como gravam e difundem as contribuições que recebem.
Porém, pretender que qualquer entidade que queira participar no processo legislativo tenha de se registar e
dizer que os sindicatos, designadamente, só podem participar no âmbito da concertação social é completamente
absurdo, porque sabemos que quem participa na concertação social são as centrais sindicais, isto é, não são
os sindicatos individualmente considerados, e há muitos sindicatos que, muito legitimamente, participam em
processos legislativos e que não estão representados na concertação social.
Por exemplo, se os sindicatos das forças de segurança, que não pertencem a nenhuma central sindical,
quiserem contribuir com as suas opiniões sobre o processo legislativo, o que é que fazem?! Não estão
abrangidos nos projetos de lei aqui representados. As associações representativas dos interesses de militares
também não estão. Ou seja, há uma burocratização forçada da participação cidadã no processo legislativo com
a qual a democracia não ganha absolutamente coisa nenhuma.
Essa participação dos cidadãos e das associações que os representam nos processos legislativos não é
nada de «estigmatizável». Pelo contrário, é um bem para a democracia e para a participação pública que se
deseja no âmbito dos processos legislativos.