I SÉRIE — NÚMERO 52
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legislador, aparentemente sem sucesso, quais as implicações do «principio geral da não retroatividade da lei
geral e abstrata».
A título de exemplo, se a lei em Israel - um dos poucos países onde a prática se encontra legalizada - prevê
que a inseminação post mortem só possa ocorrer no prazo máximo de um ano sobre a morte do dador, não se
descortina sequer razão atendível para a consagração em Portugal de um prazo que se situa no triplo daquele,
para mais se admitindo a extensão desse prazo para além desses três anos, sem limite pré-determinado nem
submissão aos demais requisitos formais, como resulta da redação escolhida para o artigo 4º.
Alemanha, Suécia, Canadá, entre outros, são países em que a inseminação post mortem é legalmente
interdita e nenhum dos sobreditos países pode ser considerado modelo de obscurantismo. Ao invés, invejamo-
los, amiúde, em muito do que significam de tolerância, igualdade e progresso.
À semelhança do contido no supracitado Parecer do CNECV, também Julianne Zweifel, psicóloga clínica e
membro do comité de ética da Univertsity of Wisconsin School of Medicine and Public Health observa que
«Adults are making a decision to bring a child in the world with, by definition, a deceased parent because of adult
needs and not sufficient concern is being paid to what is the impact on the child.»
Poderão ter, ou não, razão, mas legislar em tão sensível matéria, em ostensiva desconsideração das
reflexões oferecidas por aqueles que compõem os órgãos consultivos independentes que a lei quis que
alicerçassem as opções do legislador, não poderia merecer o nosso voto favorável.
Palácio de São Bento, 25 de março de 2021.
O Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Filipe Neto Brandão.
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Foi hoje votado em sessão plenária o texto final da Comissão de Saúde relativo à procriação medicamente
assistida post mortem.
O Grupo Parlamentar do CDS-PP votou contra esta iniciativa legislativa e entende ser importante deixar
claras as razões pelas quais o fez.
Apesar de reconhecermos e respeitarmos profundamente o sofrimento das mulheres que, por um
acontecimento trágico — a morte do cônjuge —, vejam vedada a concretização do projeto parental previamente
desejado e consentido, consideramos que, antes de mais, há que acautelar o superior interesse da criança que
vier a nascer. E é entendimento do CDS-PP que não só a solução apresentada neste texto final não o assegura,
como a própria inseminação post mortem nega, só por si, o direito que cada criança deve ter de ser concebida
e nascida de pai e mãe vivos.
É evidente que esta situação encontra aproximação na circunstância em que o pai morra depois da conceção
e antes do seu nascimento da criança. Estas são infelicidades que lamentamos, mas das quais não se pode
fugir. Já provocar a conceção de uma criança cujo pai já faleceu, mesmo existindo um consentimento escrito e
um projeto parental pré-definido, é uma opção que, a nosso ver, coloca o desejo da mulher à frente do superior
interesse da criança que vier a nascer.
Fundamenta o CDS esta posição em pareceres como:
I. Professor Doutor Michel Renaud – «Tendo várias vezes refletido neste tema complexo, cheguei à
conclusão de que não considero ética a inseminação post mortem. O motivo principal é que os
interesses do nascituro não me parecem suficientemente respeitados, pelo facto de se programar um
nascituro sem pai vivo. É verdade que existem muitos casos em que, por várias razões não previstas
no início da fecundação, uma mãe se encontra sozinha para se ocupar da/o sua/seu filha/o. Mas é
precisamente aqui que, do ponto de vista ético, existe uma diferença entre um acontecimento
involuntário e um ato eticamente responsável. Quando o facto de não haver pai vivo depende de um
acontecimento não previsto, não se trata eticamente de uma situação comparável à decisão voluntária
de fazer nascer um bebé, à partida sem pai vivo. Noutros termos, na inseminação post mortem os
interesses da gestante passam à frente dos do nascituro. (...) De certo modo, o que subjaz a esta
discussão é o sentido de uma «paternidade» em geral e, sobretudo aqui, o sentido de uma paternidade
que começa «post-mortem»… Antes da morte, podia existir um projeto parental, mas não há dúvida que
este projeto não se mantém igual depois da referida morte. (...)».