26 DE MARÇO DE 2021
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II. Professor Doutor Walter Osswald – «(...) entendimento, há muito exarado em letra de forma e exposto
em vários artigos e livros, que o recurso a técnicas de PMA para a obtenção de gravidez após a morte
do marido ou companheiro de mulher sobrevivente, a pedido desta, não encontra fundamentação ética
suficiente para que possa ser acolhido na sociedade e enquadrado na legislação. (...) limito-me a
enunciar os pilares da respetiva argumentação: a) o excesso de peso atribuído à autonomia da mulher
que solicita a técnica de PMA, com focagem exclusiva neste significante, mas não exclusivo princípio
bioético; b) a ausência de avaliação dos interesses superiores da criança assim concebida, órfã de pai
criada deliberadamente nessa condição, sempre reconhecida como desfavorável para toda a sua futura
evolução pessoal; c) as complicações biológicas e sociais advenientes ou supervenientes (distância
cronológica entre morte do progenitor e nascimento da criança, possíveis conflitos entre a mulher
sobreviva e um eventual novo marido ou companheiro (terá este algo a dizer sobre a intenção da mulher
de engravidar posteriormente?), questões patrimoniais (herança), discussões familiares, p. ex. com a
família do falecido, etc. (...)».
III. Ordem dos Médicos – «(...) Antes de mais, importa dizer que esta técnica está de tal forma envolta num
contexto de luto e sofrimento que pode condicionar a própria autonomia efetiva da mulher o que, por
seu lado, é suscetível de afetar ou secundarizar o superior interesse da criança a nascer. (...)».
IV. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – «(...) A decisão sobre a utilização de técnicas
de PMA deve estar subordinada ao primado do ser humano, princípio fundamental que rejeita a sua
instrumentalização, e consagra a dignidade do ser humano e consequente proteção dos seus direitos,
em qualquer circunstância, face às aplicações da ciência e das tecnologias médicas (Convenção sobre
os Direitos do Homem e a Biomedicina). No âmbito da aplicação das técnicas de PMA, deve, assim,
valorizar-se a condição do ser que irá nascer que, pela natureza e vulnerabilidade, é quem é mais
carecido de proteção. Devem ainda ser tidos em consideração os direitos do/a filho/a à sua identidade
pessoal, ao conhecimento das suas origens parentais, bem como a conhecer eventuais riscos para a
sua saúde física e psicológica associados aos processos tecnológicos usados na sua geração. (…) O
CNECV também se pronunciou sobre a mudança de paradigma das mais recentes alterações
legislativas sobre PMA em Portugal que constituíram o reconhecimento legal de que a beneficiária das
técnicas é aquela em quem as técnicas são potencialmente aplicadas, ou seja, a mulher. Importa
sublinhar, mais uma vez que, do ponto de vista ético, a mulher não é a exclusiva beneficiária, mas
principalmente o/a filho/a que será gerado/a. O interesse da criança que vai nascer deve ser valorizado
acima de todos os outros interesses envolvidos, em consonância, aliás, com todo ordenamento legal
português que subordina quaisquer interesses ao «princípio do interesse superior da criança». A
perspetiva ética centra-se na justa ponderação entre dois valores superiores: o respeito pela vontade
da mulher e o respeito pelos direitos da criança que vai nascer. Nas circunstâncias em apreço, poderia
pensar-se no eventual respeito pela vontade do falecido marido ou companheiro da mulher que pretende
ser inseminada. Com efeito, existe uma referência «um projeto parental claramente firmado por escrito
antes do falecimento», o sémen foi recolhido e a mulher pretende dar seguimento a esse projeto. Parece
ser de concluir, no entanto, que a única justificação encontrada para a licitude da inseminação post
mortem reside na tutela da liberdade e autonomia da mulher que quer ser mãe e em quem irão ser
aplicadas as técnicas de PMA. (…) No entanto, poderá questionar-se se, nas circunstâncias descritas,
a autonomia da mulher não poderá estar afetada. (…) Finalmente, desconhece-se o impacto da solução
proposta no desenvolvimento psicológico na criança que vier a nascer (1) da vivência de nascer em luto
de uma família ou (2) construir a sua narrativa em face a este luto e a noção de que foi concebida depois
de o pai ter falecido.
O principal argumento invocado pelos autores do projeto parece ser o seguinte: se uma mulher pode aceder
às técnicas de PMA com recurso a sémen de dador, porque não pode com sémen do falecido que consentiu no
projeto parental? Se poderia ter um filho sem paternidade estabelecida, porque não pode ter um filho ‘póstumo’?
(…) Na fidelidade ao desígnio original das técnicas de PMA, e ao abrigo do princípio da beneficência, estas
devem ser utilizadas por razões médicas, em situações de infertilidade e/ou esterilidade, percecionadas como
doença pelo casal, sendo sua finalidade a de tentar obter a conceção de um ser humano quando alterações aos