I SÉRIE — NÚMERO 70
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é isso mesmo que temos de fazer agora: voltar atrás, pensar e regular, antes de se continuar a construir um
gigante com cabeça de ouro e pés de barro.
Se isto é válido para a questão ambiental, também tem de ser válido para as questões laborais. Fará sentido
focarmo-nos unicamente na aplicação de coimas e de responsabilização da cadeia de contratação ou, antes,
limitar à partida o acesso a essa mesma cadeia neste setor, que já se mostrou propício à exploração laboral?
Temos de ir à raiz do problema e não de o remediar.
Se temos empresas que recorrem inteira e reiteradamente a uma subcontratação ilimitada de trabalhadores
ou se a totalidade dos seus trabalhadores são subcontratados, a realidade é que estas empresas têm
necessidades de contratação de recursos humanos de forma mais estendida no tempo, mesmo que esta seja
uma necessidade temporária e sazonal.
A verdade é que o Código do Trabalho prevê a contratação a termo exatamente para estes casos cuja
atividade seja sazonal ou com um ciclo anual irregular, pelo que, antes de se avançar com mecanismos que
viabilizem este acesso à subcontratação constante, a qual dificulta a aplicação da lei e da própria atividade
fiscalizadora, parece-nos que seria importante limitar o acesso a estas zonas cinzentas e a estes subterfúgios
legais que permitem que o setor permaneça na precaridade constante e, no caso específico dos migrantes, que
os coloca à mercê da exploração ou de redes de tráfico humano.
Sr.as e Srs. Deputados, bem sabemos que temos um longo caminho a fazer no combate ao tráfico de seres
humanos nas suas múltiplas dimensões, não apenas na dimensão laboral mas também nas do tráfico para
exploração sexual ou até mesmo de menores. Este é um problema ao qual o legislador não pode continuar a
virar a cara.
Assim, além deste debate, urge colmatar de alguma forma a via legislativa, não bastando penalizar ou
responsabilizar. É necessário limitar o acesso à subcontratação e tornar a cadeia de contratação mais
transparente e mais simplificada, acima de tudo, na própria integração destes migrantes e destes trabalhadores.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, do PS.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria, naturalmente, de agradecer aos grupos parlamentares que fizeram este agendamento potestativo sobre o tema
da exploração laboral, um tema não apenas de regulação de relações laborais mas também de direitos humanos.
A verdade é que, devido ao nosso inverno demográfico, muitos setores de atividade económica, desde a
agricultura ao turismo, passando pelas pescas, pela construção civil, pelo setor dos serviços, só poderão
sobreviver graças à mão de obra imigrante. Infelizmente, a exploração laboral dos trabalhadores imigrantes,
sazonais ou não, é um fenómeno que tem de ser combatido com toda a força e esta não é, apenas, uma questão
de lei ou da sua aplicação porque temos tido autos de contraordenação e condenações.
No que aos trabalhadores imigrantes diz respeito, desde 2007 que existe na nossa lei, a qual até foi muito
pioneira em termos comparados, a responsabilidade solidária de toda a cadeia de contratação, desde o utilizador
à empresa de trabalho temporário, pelo pagamento de créditos salariais, de contraordenações laborais, de
contraordenações perante a segurança social, de contraordenações fiscais.
Também desde 2007, qualquer imigrante que tenha sido vítima de tráfico de seres humanos ou de exploração
laboral tem direito não só a apoio do Estado mas também a uma autorização de residência que lhe permita
escapar à continuidade dos crimes de que é vítima.
Por outro lado, desde 2012, o empregador, se um mero utilizador de mão de obra imigrante em situação
irregular for vítima de condições laborais especialmente abusivas, comete um crime que é punido com pena de
prisão entre um e cinco anos.
Ou seja, temos legislação para enfrentar esta situação, que é ignóbil, mas a verdade é que as situações de
exploração laboral de imigrantes persistem e é necessário ir a montante do problema e criar vias legais de
imigração que permitam satisfazer as necessidades de mão de obra, sazonal ou não, garantindo a eliminação
de intermediários e assegurando condições de acolhimento condignas.
Portanto, ao contrário do que diz o Sr. Deputado André Ventura, todas as alterações na lei da imigração
visaram, precisamente, dar dignidade a estas pessoas e permitir que elas escapassem à exploração a que estão
sujeitas.