I SÉRIE — NÚMERO 86
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: Esta proposta de lei que o Governo apresenta e a diretiva comunitária que lhe deu origem assentam na ideia de que setores
estratégicos da economia devem estar na mão de privados, mas, como a privatização leva a situações de
monopólio, oligopólio ou cartel, há necessidade de criar autoridades da concorrência, autoridades essas que
nunca serão verdadeiramente independentes e imparciais e, por isso, nunca conseguirão impedir, em boa
verdade, abusos do poder de mercado.
Por mais altissonantes que sejam as proclamações sobre a livre e sã concorrência no contexto da União
Europeia, as últimas décadas deixaram bem à vista, em todo o mundo, e nos mais variados setores, o fracasso
do modelo neoliberal de privatização de setores estratégicos, adornado por miríficas entidades reguladoras que,
na melhor das hipóteses, se revelam impotentes e, na pior das hipóteses, cúmplices dos regulados e por eles
capturadas.
Esta proposta de lei e a diretiva que lhe dá origem são sustentadas pela ideia de que quase toda a legislação
dos países é insuficiente ou má e que, por isso, há que produzir legislação comunitária e conferir poderes à
Comissão Europeia. De resto, a própria conceção subjacente às normas de enquadramento, funcionamento e
até interpretação jurídica, quer no que diz respeito ao regime da concorrência, quer no que se refere aos
Estatutos da Autoridade da Concorrência, leva a um nível quase de fanatismo o primado da legislação
comunitária, a ponto de se considerar um primado de automatismo na própria interpretação à luz da Constituição
da República.
A Autoridade da Concorrência, de acordo com as intenções manifestadas pelo Governo e as suas propostas,
aparece como uma entidade mais independente e à prova de influências, por parte das instituições do Estado
português, e cada vez mais integrada como peça de uma máquina europeia que segue à risca as orientações e
linhas de ação definidas na União Europeia, aliás à semelhança do que tem sido a evolução dos processos de
integração federalista e supranacional na União Europeia, de que é particular exemplo o Banco de Portugal, que
assume com brio e galhardia a condição de sucursal portuguesa do Banco Central Europeu, cumprindo
prontamente as ordens de Frankfurt. O Sr. Governador dirá que não é assim, mas nós «sabemos o que a casa
gasta».
Esta proposta de lei aponta para alterações de fundo no regime jurídico da concorrência e nos Estatutos da
Autoridade da Concorrência. Foi apresentada a proposta, quase com sinetas de emergência, no seguimento do
incumprimento do prazo, por parte do Governo, relativamente à transposição da diretiva, mas são alterações
que devem ser bem ponderadas. Aliás, desde logo na redação da própria proposta de lei, estas alterações
deviam ter sido bem ponderadas, para não se sujeitar o Governo e a Assembleia da República a situações deste
calibre.
Srs. Membros do Governo, já foi aqui referida a gravidade das normas inconstitucionais, quer em relação ao
artigo 18.º, sobre os poderes de busca e apreensão, quer em relação ao artigo 31.º, sobre meios de prova
admissíveis. Já foi abundantemente explicado que não é aceitável considerar para processos de mera
ordenação social e contraordenacionais o tipo de buscas e o tipo de ingerências do Estado que são assumidas
como se fossem para processos-crime. Aliás, no n.º 2 do artigo 18.º, quando o Governo propõe que se determine
que as diligências dependem de autorização da autoridade judiciária competente, a conclusão seria fácil: nunca
seriam autorizadas. Mas, de resto, nem a própria definição de autoridade judiciária, ou a referência ao Sr. Juiz,
presumindo que não estariam a pensar no Ministério Público, aqui aparece.
Ora, dirá o Sr. Secretário de Estado «estamos a confundir a árvore com a floresta e esta é uma matéria
específica dentro de uma proposta mais ampla». Pois, o problema é que a própria floresta, aqui, é um caminho
perigoso que devemos evitar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.