8 DE JULHO DE 2021
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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, a par das normas já aqui analisadas e de caráter dificilmente compatível com o nosso sistema jurídico, nomeadamente o acesso às comunicações e aos dados de tráfego —
isso, aliás, é não só uma prerrogativa do nosso Tribunal Constitucional mas do próprio Tribunal de Justiça da
União Europeia —, em matéria de acesso, não está devidamente clarificada na proposta de lei do Governo a
forma como se pode aceder a dados. E sublinho que, por exemplo, até se pode aceder a mensagens que ainda
não foram lidas pelo visado, que não foram, sequer, acedidas pelo visado, o que tem de implicar o reforço dos
deveres de garantia de que o juiz de instrução está presente e de que apenas nos casos devidamente previstos
isso acontece.
Mas, depois, há dois elementos que são contrários ao espírito da própria lei. Por exemplo, acaba por se
restringir ainda mais a capacidade de realizar buscas, recolhas e apreensões, porque, na proposta do Governo,
passam a referir-se apenas os «visados», ao contrário do que acontece agora, em que o visado pode ser uma
empresa, mas pode haver diligências num conjunto de empresas que são associações e que não são, pelo
conceito jurídico-material, «visadas». Acho que esta é uma questão que, pelo menos, tem de ser clarificada na
especialidade, assim como a questão do «agente», porque, na lei atual, temos a figura do «agente» da
Autoridade da Concorrência e essa figura é eliminada a partir de agora, o que nos leva a questionar quem é que
realiza as diligências da Autoridade da Concorrência. São os colaboradores? Pode ser qualquer funcionário? É
que é eliminado o conceito de «agente».
Portanto, há aqui vários aspetos que é preciso clarificar e que, do ponto de vista técnico, ainda merecem
algum aprofundamento.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do ponto de vista das finalidades, esta proposta de lei, ao defender a concorrência, ao defender o bom funcionamento do mercado
interno, enquanto princípios, merece a nossa concordância, sem qualquer dúvida. Mas a verdade é que, olhando
para ela com atenção, há uns alertas essenciais que têm de ser levados em conta. E chamava a atenção para
dois tipos de alertas, o primeiro dos quais é aquele que nos deixa o parecer da própria Autoridade da
Concorrência, que alerta para uma incorreta transposição da diretiva em causa ao não prever as adequadas
garantias de autonomia financeira e gestão de recursos humanos. Este é um problema que vários reguladores
têm levantado, aliás tem sido mais ou menos generalizado. Mas há aqui um outro problema, que já não é tão
generalizado, que é o da introdução de uma nova modalidade de intervenção do Governo sobre a missão da
Autoridade da Concorrência, promovendo uma limitação da independência desta entidade. Vale a pena olhar
para isto com atenção.
Mas, mais, não são apenas as questões relacionadas diretamente com a Autoridade da Concorrência que
nos levantam dúvidas. Quanto à maneira como esta iniciativa vem, naturalmente, subsumir-se ao direito
processual ou contraordenacional, e percebendo que é evidente que se tem de chegar aqui, não posso deixar
de dizer que nos preocupa muito a forma pouco rigorosa como isto é feito, e que, aliás, já foi aqui referida por
vários Srs. Deputados, como acontece, por exemplo, no caso da apreensão de prova em meio digital, fazendo
uso de expressões como «de natureza semelhante» para aludir aos meios de prova que são permitidos.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos a falar de intrusões muito graves e muito sérias na privacidade seja de
cidadãos, seja de empresas e, portanto, em temas tão sensíveis, é preciso que os conceitos estejam definidos
de maneira absolutamente rigorosa, para não haver abusos.
Mais preocupante ainda é o alerta da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que frisa, e bem, a maneira
dúbia como está escrito o n.º 2 do artigo 18.º do regime jurídico da concorrência. Esta entidade alerta que: «Uma
vez que o artigo 18.º abarca diversos tipos de poderes de investigação, com impactos distintos nos direitos
fundamentais dos cidadãos, importa clarificar que o disposto no n.º 2 não altera a competência exclusiva da
autoridade judicial para autorizar determinadas diligências, sobretudo no que toca a comunicações eletrónicas.»
Isto tem de ficar absolutamente claro e é uma questão muitíssimo séria, porque estamos a falar de direitos
fundamentais.
Portanto, desse ponto de vista, acho que há um grande trabalho a fazer na especialidade, caso esta proposta
baixe à respetiva Comissão.