I SÉRIE — NÚMERO 89
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A segunda novidade é a seguinte: põe o Estado a incentivar o fact-checking. Quem? Entidades registadas
no Estado, com critérios definidos pelo Estado e com possibilidade de serem apoiadas pelo Estado. Esta
dependência em relação ao Estado não cria e não abre a porta à censura ou à autocensura?!
Atenção que eu não disse aqui nunca, nem da tribuna, nem da bancada, que estamos perante um processo
censório, mas disse, e repito, que estamos perante um processo que abre a porta à censura e à autocensura,
fruto e filha desta dependência que acabei de mencionar.
Em terceiro lugar, estipula que quem se sinta alvo ou vítima de desinformação no espaço digital possa
recorrer à ERC. À ERC!
Já nem digo que a própria ERC não quer esta responsabilidade, mas, mesmo que a quisesse, tem zero
recursos e tem zero competências. Além disso, não faz sentido nenhum que haja uma entidade a poder definir
o que é e o que não é verdade. É o primeiro passo para a famosa «verdade oficial», que deveria fazer tremer
de vergonha os verdadeiros democratas.
Protestos do Deputado do PS José Magalhães.
Finalmente, prevê o recurso à ação popular. Não me parece uma má ideia, mas tem só um problema: já
existe a possibilidade de recurso à ação popular em várias matérias e ela é largamente ignorada pela própria
população. É, aliás, um sinal do tal adormecimento, da tal submissão e da tal modorra em que o povo português
se encontra, muito fruto da dependência do Estado que o Partido Socialista faz questão de fazer.
Portanto, o que o Partido Socialista nos traz — devo ser mais justo e mais correto, pois tenho a certeza de
que ainda haverá espíritos livres no Partido Socialista — é uma solução que não vai funcionar e sabem que não
vai funcionar.
Há poucos minutos, nesta bancada, estava um Deputado do Partido Socialista a dizer: «Este é um problema
muito difícil, ninguém pode ter a pretensão de saber qual é a solução.» Então, o que é que fazem?! Toma lá a
solução!
Risos do Deputado do PS José Magalhães.
Isto faz algum sentido?! Zero! Faz zero sentido.
Se é difícil e se não tem solução, não mexam até saber como é que se vai resolver o assunto, coisa que
anda muito boa gente, um pouco pelo mundo inteiro, a tentar resolver. É que o que aqui está proposto não só
não resolve como piora o problema, como disse na minha intervenção inicial, 100, 200 ou 1000 vezes.
Portanto, o voto que hoje vamos fazer, além de clarificar as posições de cada um dos partidos, ou as posições
de cada Deputado dentro de cada um dos partidos, é uma escolha que vai ser simples: é entre aqueles que
querem revogar o artigo 6.º porque não confiam em ninguém, nem em si próprios, para definir o que é e não é
verdade em relação aos outros, não acreditam nessa possibilidade de haver uma verdade oficial definida seja
por quem for, e aqueles que aceitam manter o artigo 6.º. Estes últimos não é que não confiem numa entidade
que defina a verdade oficial, não confiam é nas pessoas para saber distinguir aquilo que é ou não é verdade.
Essa é a grande diferença.
Termino com a constatação de uma ironia histórica, um bocadinho cruel, pelo menos, para alguns de vocês.
É irónico que, se a proposta de revogação do artigo 6.º vier a chumbar nesta Câmara por via dos votos de dois
partidos de esquerda, 100 anos depois de 1920, na terceira década do século XXI, seja a esquerda a impedir a
defesa da liberdade de expressão. Não deixa de ser irónico!
O Sr. José Magalhães (PS): — Uau!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos este ponto da nossa ordem de trabalhos e vamos, então, passar às votações.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, pede a palavra para que efeito?