I SÉRIE — NÚMERO 1
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Sampaio não teve medo de estar do lado certo da história e, desde o início da sua carreira, defendeu os
perseguidos da ditadura perante o tribunal plenário, que qualificou como o mais afrontoso sarcasmo que se
podia lançar à cara de quem acreditasse num Estado de direito.
Jorge Sampaio não temeu usar os meios limitados de participação que a ditadura lhe reconheceu,
escrevendo, inclusivamente, em O Tempo e o Modo e na Seara Nova, e foi, ainda, candidato nas listas da
Comissão Democrática Eleitoral, em 1969.
Já enquanto Presidente da República, Sampaio não hesitou em alertar para a necessidade de um dever de
memória, para que a ditadura não se repita, visitando várias vezes o Forte de Peniche, antiga prisão, e sendo o
primeiro Chefe de Estado — e, até agora, o único — a participar numa homenagem aos presos políticos do
Tarrafal.
Falar em Jorge Sampaio é falar em democracia. Foi um empenhado construtor do regime democrático,
nascido com o 25 de Abril, a que chamou «a festa de um sonho acordado». Marcou por uma intervenção política
de rosto humano, soube ouvir, baseou-se na honestidade e, em prol do bem-estar coletivo, foi capaz de construir
pontes entre campos diferentes. Exerceu cargos políticos norteado pelos mais elevados valores do humanismo
e da transparência.
Falar em Jorge Sampaio é falar em justiça social e no combate à exclusão, traços, aliás, patentes no
lançamento, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, das bases do programa de renovação urbana
do bairro do Casal Ventoso, que, à época, tinha 500 pessoas a viver em condições de total indignidade.
Enquanto Presidente da República, incidiu sempre bem mais no investimento em políticas sociais, em vez
do foco no défice, e destacou-se no combate que travou ao circuito de pobreza causado pela tuberculose,
enquanto enviado especial do Secretário-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).
Falar em Jorge Sampaio é, também, falar de alguém que, enquanto Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, tomou importantes medidas para combater a poluição no Tejo e aumentar significativamente os espaços
verdes na cidade.
Jorge Sampaio é, também, sinónimo de solidariedade e de defesa dos direitos humanos, às vezes, com
gestos tão simples como aquele que permitiu a Oriana e a Andreia Belchior, duas meninas de Baião,
prosseguirem os seus estudos, mas também na sua ação em defesa da causa da independência de Timor-
Leste. Isto, sem esquecer a sua luta pela conciliação entre as sociedades muçulmanas e ocidentais, enquanto
Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, tendo uma postura proativa de defesa do direito à
educação dos migrantes sírios, enquanto fundador da Plataforma Global para Estudantes Sírios, cujo trabalho
foi saudado, nesta Casa, por unanimidade, em 2019, e que, aliás, desde 2014, garantiu mais de 650 bolsas de
estudo por ano e permitiu a 135 bolseiros sírios concluírem licenciaturas, mestrados ou doutoramentos.
A vida de Jorge Sampaio fez toda a diferença e pode ser resumida pela parte final do poema The Road Not
Taken, de Robert Frost: «Suspirando, estarei contando a ti, daqui a mil anos, o que aconteceu: dois caminhos
bifurcavam e eu o menos pisado tomei como meu, e a diferença está toda aí.» A melhor homenagem que
podemos fazer a Jorge Sampaio é a de assumir o compromisso de, com o mesmo empenho e preocupação,
seguir o caminho menos pisado.
Foram os valores humanistas que pautaram a sua vida e que nos deixa como legado. Por isso mesmo, em
defesa desse legado e desses valores, o PAN apresentará uma iniciativa para promover um dos seus últimos
projetos, recomendando ao Governo que todas as instituições de ensino superior em Portugal possam trabalhar
de forma concertada no YES Fund (Youth Education Solidarity Fund), com o objetivo que Sampaio também
almejava.
Terminamos, então, lembrando aquela que ficou conhecida como a sua última intervenção em público,
relativa à atualidade no Afeganistão: «a solidariedade não é facultativa, mas um dever».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª
Dr.ª Maria José Ritta, familiares e amigos de Jorge Sampaio: Em primeiro lugar, gostaria de dizer-vos que esta
é uma Sessão Evocativa e, nesse sentido, é uma homenagem a Jorge Sampaio.
Neste momento de consternação, a primeira palavra, a mais importante que quero expressar, sinceramente,
em nome do Grupo Parlamentar do CDS, é «respeito».