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I SÉRIE — NÚMERO 2

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Assim, a língua pode e deve ser entendida como uma prática ancestral e uma tradição cultural, reflexo da

sociedade local.

O barranquenho, uma língua híbrida, ainda que sem tradição escrita, única no mundo pelo seu caráter misto

de português e espanhol, falado pelos cerca de 1300 residentes e por todos os naturais do concelho há vários

séculos, constitui, pois, um lugar de encontro de culturas peninsulares. Onde outros dividiram, a língua uniu,

cimentou relações e forjou uma identidade própria.

A vitalidade que o barranquenho evidencia não permite, contudo, afastar todas as ameaças que pairam sobre

a sua subsistência. Em primeiro lugar, porque, de acordo com a UNESCO (Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura), qualquer língua falada por menos de 5000 pessoas tende a considerar-

se ameaçada, pelo que a evolução dos atuais números de falantes do barranquenho é um motivo de

preocupação.

A esta realidade acresce o envelhecimento dos falantes. O desaparecimento da geração mais velha pode

traduzir-se na perda irreparável deste património linguístico caso se verifique uma ausência de adoção de

medidas.

Finalmente, neste contexto, o menor isolamento físico do território, que o desenvolvimento da região e dos

meios de comunicação e transporte acarretou, bem como a presença intensa do português como língua da

administração do território, da escola, dos meios de comunicação e das terras vizinhas, podem contribuir

igualmente para um risco de assimilação pela língua oficial.

É, pois, fundamental e urgente preservar o barranquenho para evitar a perda irreparável deste património

linguístico inestimável e de uma marca de identidade própria. Neste contexto, a salvaguarda passa pelo reforço

da documentação e da investigação sobre o barranquenho, impulso de preservação que deve transcender as

fronteiras do concelho de Barrancos por estar em causa uma marca de identidade local, regional, nacional e até

europeia.

A Europa é também mais rica por essa diversidade, feita de memória, que se quer parte do futuro.

É neste contexto de reconhecimento e valorização que surge a presente iniciativa legislativa, indo ao encontro

do trabalho fundamental já em curso e correspondendo às aspirações locais de proteção de um património com

escala verdadeiramente nacional, merecedor de consagração em lei da República e do desenvolvimento de

políticas públicas de escala nacional para a sua proteção e valorização.

O barranquenho resistiu e eliminou fronteiras e barreiras que os Estados construíram, porque este é um povo

que resiste, que luta contra o isolamento, que defende, que encontra novas formas de preservar a sua

identidade.

O barranquenho é também a luta de um povo contra a massificação e globalização cultural. O barranquenho

é sinónimo de autenticidade e daquilo que é verdadeiramente genuíno num povo.

Aplausos do PS.

Neste momento, assumiu a presidência o Vice-Presidente Fernando Negrão.

O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Saúdo-vos com votos de um bom e profícuo regresso aos trabalhos parlamentares.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP traz à Assembleia da República um projeto de lei que visa o reconhecimento e proteção do barranquenho e da sua identidade cultural. Trata-se de um

projeto de lei distinto, este que o PCP traz, que se diferencia por, além de introduzir o reconhecimento e proteção

do barranquenho, reconhecer a sua identidade cultural: os hábitos e costumes de um povo, as suas tradições,

a sua gastronomia, a sua memória.

Mas permitam-me, Srs. Deputados, que, antes de mais, vos fale de Barrancos, de um povo de encontro, de

reencontro, de confraternização e, sobretudo, de um saber viver que é uma constante. Em qualquer canto de

Barrancos podemos encontrar uma história, uma lição de vida.

Permitam-me destacar dois momentos da história de Barrancos.