14 DE OUTUBRO DE 2021
23
Combater a discriminação no acesso das novas gerações às profissões reguladas, limitar os entraves de
acesso a essas profissões, regular os estágios, reforçar a independência e a autonomia da função regulatória,
garantir a representação dos destinatários dos serviços, combater os conflitos de interesses são passos
importantes que este Parlamento deve dar, porque a situação que temos, em particular em algumas profissões,
é inaceitável.
Muitas ordens são, hoje, um verdadeiro entrave ao acesso à profissão, com lógicas conservadoras e um
silêncio cúmplice sobre os abusos laborais perpetrados contra os mais jovens.
O exemplo dos advogados é um dos mais eloquentes, embora não seja o único. Um jovem que seja
licenciado em Direito tem de pagar 700 € para se inscrever como advogado estagiário, mais 150 € para se
inscrever no exame de acesso, mais 300 € para inscrição como advogado — logo à cabeça são 1150 € que tem
de desembolsar. Se reprovar num exame, paga mais; se mudar de patrono durante o estágio, paga mais.
Mas não ficamos por aqui. Como já foi muito sublinhado nas intervenções anteriores, há a questão dos
estágios: mais uma barreira erguida pela ordem à entrada na profissão. É obrigatório estagiar, é obrigatório que
haja um patrono com mais de cinco anos de cédula ativa, mas não é obrigatório ser-se pago pelo trabalho que
se faz enquanto se realiza esse estágio.
Lembro-me bem, em novembro de 2010, da fona que se instalou nos corredores deste Parlamento quando
o Governo de então, do Partido Socialista, propôs — e muito bem — uma autorização legislativa para impor a
obrigatoriedade da remuneração dos estágios profissionais.
Alvoroço nos escritórios de advogados, alvoroço nas bancadas do centrão, Deputados do Partido Socialista
a rebelarem-se contra a proposta do Governo do Partido Socialista, para se defenderem e salvaguardarem que
as profissões que funcionam e que continuam a funcionar à base de recibos verdes — muitos deles falsos
recibos verdes — tinham uma norma que os excecionava desse diploma, que não eram abrangidas. E o facto é
que lá conseguiram meter uma norma nessa lei por onde os escritórios de advogados continuam a escapar a
essa obrigação — esse atraso civilizacional, para utilizar a expressão do Sr. Secretário de Estado.
Vozes do BE: — Bem lembrado!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Na altura tivemos até o direito de assistir a um momento caricato em que o Bloco de Esquerda apresentou a proposta original do Governo do Partido Socialista, que foi rejeitada por
Deputados do Partido Socialista, para defenderem os interesses dos escritórios de advogados e também dos
ateliês de arquitetura, das profissões ditas liberais.
Obrigar agora à remuneração dos estágios e limitá-los a um ano é uma regra de bom senso que aplaudimos
fortemente.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Nem que tenha de ser feito, obviamente, contra a opinião de quem manda na ordem.
Aliás, não deixa de ser curioso, embora não seja surpreendente, que o vocal Bastonário da Ordem dos
Advogados se tenha multiplicado, ao longo de anos, em tomadas de posição quanto a regras tão básicas e tão
justas quanto esta, mas tenha sido sempre conivente com a manutenção da cultura do abuso laboral dos jovens
a recibo verde, como, aliás, tem sido ativamente conivente com a manutenção da desproteção social dos
advogados mais jovens ou, mais simplesmente, dos advogados mais pobres, quando a este Parlamento
trouxemos o debate do acesso aos apoios extraordinários por parte de advogados e solicitadores ou da
integração dos advogados na segurança social. Lá chegaremos, provavelmente também aqui contra a opinião
da Ordem dos Advogados e da CPAS (Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores).
Mas há outras questões. Faz sentido, por exemplo, que o Bastonário da Ordem dos Advogados possa
acumular essa função com a presidência da Associação Lisbonense de Proprietários?
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Ascenso Simões (PS): — Exatamente!