16 DE OUTUBRO DE 2021
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Não nos cansamos de repetir o seguinte: é evidente que todas as pessoas razoáveis terão o mesmo nível
de repulsa por um crime como o de violação, mas do que se trata é de dar todo o poder ao Estado e de reduzir
a zero a vontade da vítima, a qual, assim, mesmo contra a sua vontade, poderá ser vítima de um crime
horrendo e sofrer de seguida a chamada «dor processual».
No crime de violência doméstica entende-se, e bem, que a vítima está continuamente numa situação de
subjugação, pelo que é um crime público, mas no caso do crime de violação há uma pessoa livre e autónoma
que deve ter um espaço de livre decisão quanto ao processo, sendo que, aliás, o Ministério Público já pode
hoje atuar por motu proprio em algumas circunstâncias. Não podemos estar, por uma banda, a apregoar
continuamente a autonomia da mulher e, por outra, a defender a apropriação da sua vontade — da nossa
vontade! — pelo Estado.
Este é o tipo de projeto de lei, como já afirmamos tantas vezes perante iniciativas análogas, que não
previne um único crime nem respeita a integridade da vítima, neste caso, claro, pessoa maior.
Mantemo-nos onde sempre estivemos. Em todos os temas, buscamos soluções que se revelem
necessárias, adequadas, justas, ponderadas e harmoniosas, cientes da função do Direito Penal e
comprometidos com a imensa ação que o antecede.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir, neste ponto, projetos de lei que têm contornos diferentes e que não devem ser completamente colocados em amálgama. Mais uma
vez, estamos a discutir propostas que vão no sentido do endurecimento do nosso sistema penal relativamente
a determinados tipos de crimes.
Estes projetos de lei, designadamente os do Chega, além de uma inconsistência técnica que já foi referida,
vão num sentido recorrente, que é o de que os problemas da criminalidade se resolvem com o endurecimento
das penas, mas está mais do que demonstrado, por séculos de experiência, não apenas nacional, mas
mundial, que assim não é. Não são os países que apostam no chamado «direito penal da vingança» que
reduzem a criminalidade com essa atitude.
Sabemos que ainda há países que, infelizmente, mantêm a pena de morte e não é por isso que eles têm
índices de criminalidade menores, bem até pelo contrário. A experiência demonstra exatamente o contrário e,
portanto, esse caminho é absolutamente irracional, mas continua a ser feito.
Eu diria que estamos entre aqueles que defendem a aplicação da justiça pelos tribunais em nome do povo
e aqueles que defendem a aplicação da justiça pelos tabloides em nome da turba. Neste dilema, sabemos de
que lado estamos: estamos do lado da aplicação da justiça em nome do povo.
Esta ideia de que a sociedade se defende melhor não com o endurecimento irracional das penas, mas sim
com outro tipo de medidas que apostem na reinserção, na prevenção da criminalidade e na defesa da
sociedade, mais eficaz por essa via, não existe por se considerar que os crimes são menos hediondos.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Quando, há mais de 150 anos, foi abolida a pena de morte em Portugal, não foi por se considerar que os crimes que até lá davam pena de morte eram menos hediondos. Não foi por
isso, foi por se pensar que a sociedade era mais decente, mais civilizada e se defendia melhor da
criminalidade adotando uma outra política de Direito Penal.
Portanto, consideramos que esse é um caminho recorrente, com o qual não alinhamos, que é o de
considerar que se aumentarmos as penas avulsamente, crime a crime, vamos resolver qualquer problema de
criminalidade. Não vamos!
Depois, há também uma questão que tem que ver com os prazos de prescrição e que, porventura,
suscitará outra discussão. Nós consideramos, como é óbvio, que essa é uma discussão perfeitamente
legítima, que, nessa matéria, também é possível encontrar exemplos diversificados de outros países, mas