I SÉRIE — NÚMERO 17
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo passou dois dias a repetir que este é o Orçamento mais à esquerda de
sempre. A frase é tão oca que até a direita a repetiu e não resiste aos factos.
A proposta de Orçamento, mesmo adicionada dos anúncios dos últimos dias, mantém um investimento
anémico, não trava a deterioração do SNS nem a perda de poder de compra para a generalidade dos salários
e pensões.
A promessa de investimento é fazer agora o que já estava previsto em orçamentos anteriores, mas o aumento
não chega sequer a um terço do que ficou por executar desde 2016. A saúde é o setor com mais anúncios
grandiosos. Repetem-se para 2022 promessas de anos anteriores, com taxas de execução nulas ou muito
baixas, como, por exemplo, as dos hospitais do Seixal, Setúbal e Évora. Enquanto são esquecidos projetos que
constaram em orçamentos anteriores, como Barcelos, Algarve e Beja, há o empolamento de investimentos que
já todos sabemos que não vão acontecer. O mais caricato será a promessa da execução em 2022 de milhões
de euros para equipar um hospital, Lisboa Oriental, cuja construção nem sequer se iniciou.
As pensões mais baixas continuarão em valores inferiores ao limiar de pobreza, enquanto as restantes
perdem poder de compra, sob uma inflação que será bem maior do que a que o Governo reconhece: em
setembro, já ia em 1,48% e os preços, desde logo da energia, continuam a aumentar.
Aos trabalhadores do Estado também se pede que continuem em perda. O aumento de 0,9% é irrisório face
à perda acumulada de 10% do poder de compra, mas não só. É irrisório face às possibilidades do Orçamento:
o valor líquido do aumento proposto aos funcionários públicos — 128 milhões de euros — é pouco superior ao
imposto de selo que a EDP deixou de pagar pela venda da concessão de seis barragens em dezembro de 2020.
Estas escolhas não têm nada de esquerda, nem são resposta aos problemas do País, e são inexplicáveis
porque o momento devia mesmo ser de mudança.
Na Europa, as regras do Pacto de Estabilidade estão suspensas e os diversos governos apresentam
orçamentos de recuperação e investimento. Em contracorrente, o Governo português apresenta um orçamento
de contenção, desperdiçando o momento de alívio da pressão europeia e a maioria que existe no Parlamento
para medidas duradouras para a economia e para a sociedade. A bazuca, base de tantos anúncios, não tem
correspondência no Orçamento.
Depois de meses de negociações, continua incompreensível este alheamento do Governo. Dizer que o Bloco
é intransigente é tão inútil e tão pouco credível como dizer que os profissionais do SNS estão a atacar o Governo
quando alertam para a situação insustentável em que se encontram.
O Governo não trouxe nada de novo a este debate. O Primeiro-Ministro limitou-se a invocar um certo
documento do Governo onde estariam finalmente explicadas as razões da rejeição de cada uma das nove
propostas do Bloco. O documento não circulou, mas tive a oportunidade de o ler e é com desilusão que constato
que as razões da rejeição continuam a ser um segredo bem guardado pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Qual é o perigo de voltar à regra que durou um século sobre o pagamento das horas extra? Nenhuma
resposta! Ou de aceitarmos a proposta do próprio PS para a indemnização por despedimento? Silêncio! Ou o
limiar dos 25 dias de férias por ano? O Governo não tem resposta que possa dar. Só num caso o Governo se
lançou numa justificação: tocar no fator de sustentabilidade é matar o sistema de pensões.
Ora, nós já acabámos com o fator de sustentabilidade para quase todos os casos. Restam poucos casos e
a enorme injustiça de uma pessoa com 64 anos e 43 anos de carreira contributiva ter um corte maior na pensão
do que uma pessoa com 63 anos e os mesmos 43 anos de descontos.
Na saúde, o Governo também não justifica a recusa das propostas do Bloco. Pior: as suas contrapropostas
são um recuo face ao que prevê a Lei de Bases da Saúde que fizemos em conjunto.
Mas pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro: pensou mesmo que podia convencer-nos de que a solução para a
falta de profissionais é um pagamento a quem faça o equivalente a três meses adicionais de trabalho
extraordinário? Em vez de atrair mais gente para o SNS, a solução é sobrecarregar quem já está exausto com
mais horas ainda?!
O Governo não podia estar à espera que aceitássemos continuar a assistir à drenagem do SNS pelo privado
quando já ultrapassámos um milhão de utentes sem médico de família. Sei que o PS não gosta de o ouvir, mas