20 DE NOVEMBRO DE 2021
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segurança, são adotadas formulações de tal modo equívocas que serão mais os problemas criados do que os
que alegadamente se visa resolver.
Quanto ao texto de substituição, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, relativo à Proposta de Lei n.º 90/XIV/2.ª, que diz respeito à implementação de medidas
previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção, o Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente esse texto,
em votação final global.
O PCP não ignora o facto de a discussão na especialidade de uma matéria extensa, complexa e estruturante
na ordem jurídico-penal ter decorrido de uma forma tão sumária nos últimos dias de uma legislatura. Teria sido
desejável um maior tempo de discussão e de ponderação de soluções, como estava previsto se não se tivesse
precipitado a dissolução da Assembleia da República. O risco de a Assembleia da República ser criticada por
adotar soluções que poderiam ter sido melhor ponderadas é real. Porém, atentas as circunstâncias, seria pior e
mais criticável se a Assembleia da República deixasse caducar as iniciativas legislativas de combate à
corrupção, abstendo-se de legislar numa matéria socialmente tão relevante.
O PCP assinala justamente alguns avanços decorrentes do texto aprovado, designadamente no tocante ao
aperfeiçoamento do regime penal aplicável às pessoas coletivas e do regime processual penal aplicável aos
chamados megaprocessos, visando evitar prescrições e limitando a margem de impunidade que poderia
decorrer do uso de expedientes dilatórios permitidos por lei.
Há, contudo, dois pontos concretos relativamente aos quais o PCP, na especialidade, entendeu demarcar-
se.
O primeiro diz respeito à extensão do chamado direito premial. A alteração do regime segundo o qual a
atenuação ou isenção da pena como prémio para a colaboração com a justiça deixa de ser uma possibilidade a
avaliar pelo julgador, em função das circunstâncias de cada caso, para passar a ser uma imposição legal
verificadas certas circunstâncias é uma evolução legislativa que faz com que a ordem jurídico-penal portuguesa
se vá afastando cada vez mais da aplicação do princípio da legalidade que deve nortear o Estado de direito,
para se basear cada vez mais em critérios de oportunidade, oferecendo margens de impunidade em nome da
colaboração com a aplicação da justiça.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — O segundo diz respeito às sérias dúvidas de constitucionalidade relativamente à extensão da aplicação da sanção acessória da privação de direitos políticos por efeito automático da
condenação por crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos e outros cargos públicos.
A Constituição determina, no n.º 4 do artigo 30.º, que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda
de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
Não se ignora que já existem várias disposições legais que implicam a perda de direitos dessa natureza
como efeito de condenação por crimes de responsabilidade.
O PCP não contesta que exista a proibição de exercício de determinadas profissões ou o impedimento
temporário da apresentação de candidaturas a determinados cargos políticos ou cargos públicos em
consequência da condenação por determinados crimes que tenham alguma relação com esses cargos ou
funções.
O que suscita as maiores dúvidas quanto à sua constitucionalidade é uma solução como a que foi adotada
em que o titular de cargo que seja condenado por um qualquer crime punido com pena de prisão superior a três
anos, ainda que dispensada, seja proibido do exercício de qualquer cargo — sublinhe-se, de qualquer cargo —
, mesmo que este não tenha qualquer relação ou proximidade com o tipo de crime cometido.
Esta situação de ostracismo afigura-se desproporcionada em face do interesse constitucionalmente protegido
e parece incorrer em violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 30.º, n.º 4, da Constituição. Ora, a melhor forma de evitar
a aplicação de uma sanção é precisamente adotar uma solução que seja inconstitucional.
O PSD e o CDS já o fizeram diversas vezes a propósito de uma suposta intenção de criminalizar o
enriquecimento ilícito. Seria mau que em matéria de aplicação de sanções acessórias pela condenação de
crimes de corrupção se fosse pelo mesmo mau caminho.
Aplausos do PCP e do PEV.