6 DE OUTUBRO DE 2023
25
Só poderemos saber, com certeza, as consequências na aprendizagem e na saúde das crianças da utilização
excessiva dos telemóveis daqui a uns anos, mas isso aconselha-nos a fazer uso do princípio da precaução.
O que é que já sabemos, com alguma segurança? Sabemos que, para todas as pessoas, e não apenas para
as crianças, o uso excessivo do tempo de ecrã está associado ao uso problemático das redes sociais e de outras
consequências negativas da utilização dos smartphones. Sabemos que, para as crianças, essa questão tem
ainda contornos mais graves, o que aumenta a responsabilidade do Estado e da escola pública. Sabemos que
os estudos mais recentes apontam para uma forte associação entre o tempo de uso de tablets e smartphones
e a irritabilidade, a frustração, as perturbações de humor e a depressão. Sabemos que aumenta a probabilidade
do uso excessivo de videojogos e de ansiedade.
O que é que sabemos, com toda a certeza? Sabemos, com toda a certeza, que o tempo que as crianças
passam a mais «coladas» ao telemóvel é tempo que passam a menos a correr, a brincar, a conhecerem-se
umas às outras, a jogar futebol, a jogar basquete, a jogar qualquer outro desporto.
Foi essa preocupação que levou 20 000 pessoas a assinar a petição «Viver o recreio escolar, sem ecrãs de
smartphones!». Os peticionários propõem restringir o uso de telemóveis nas escolas em prol da socialização
das crianças nos recreios, de forma que as crianças socializem, conversem cara a cara e brinquem, e de forma
a diminuir os casos de cyberbullying e de contato com conteúdos impróprios para a sua idade.
Esta questão não é nova. Há países e há até escolas deste País, em Portugal, que já restringiram a utilização
de telemóveis, nomeadamente no recreio, e onde estas consequências negativas — como a questão do
cyberbullying, do afastamento das crianças e do isolamento — deram lugar a consequências positivas: há
diretores de escolas que nos relatam que há uma maior afluência à biblioteca; há crianças que dizem que sentem
que agora têm autorização para brincar; há crianças que relatam que ficaram melhores no futebol porque já não
passam o recreio a falar ao telemóvel. Há outros países que têm adotado muitos modelos de restrições do
telemóvel no espaço escolar.
A nossa proposta, no Bloco de Esquerda, não é proibicionista — não nos move o proibicionismo — e também
não se refere à utilização do telemóvel enquanto instrumento didático, dentro da sala de aula. A nossa proposta
tem que ver, exclusivamente, com a utilização dos telemóveis e de outros dispositivos tecnológicos no recreio,
para as crianças do 1.º e 2.º ciclos, ou seja, as crianças com idades mais precoces, em que é evidente que a
utilização excessiva do telemóvel tem consequências negativas no seu processo de socialização e no
desenvolvimento de um conjunto de competências intelectuais, emocionais e sociais.
Portanto, o que queremos é, tal como pede a petição, estender para os momentos de intervalo dos alunos
do 1.º e 2.º ciclos as restrições que já existem nos momentos letivos; promover a regulamentação dos usos de
equipamentos tecnológicos em sede de regulamento interno, sendo para isso obrigatório ouvir associações de
pais, associações de encarregados de educação e os estudantes; e produzir orientações para o uso saudável
de tecnologias nas escolas, diferenciando por faixas etárias, aliás, da forma como, entretanto, o Ministro da
Educação também já veio afirmar que faria.
Queremos, também, que esta discussão seja acompanhada de uma definição da política de materiais
pedagógicos — aí sim, dentro da sala de aula —, com base nos conhecimentos mais avançados sobre a
exposição das crianças e dos jovens aos ecrãs.
Por último, quero saudar os peticionários, que nos trouxeram esta discussão tão importante.
Aplausos do BE.
A Sr.a Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 921/XV/2.ª, do PAN, tem a palavra
a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.a Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente: Começo, não só, por saudar os peticionários, mas
também o Bloco, por ter agendado este tema. De facto, nos recreios, os jogos de futebol, entre tantas outras
atividades, têm ficado para trás em detrimento das novas tecnologias, seja com o Minecraft ou o TikTok
Challenge.
A dependência dos telemóveis, bem como das redes sociais ou dos videojogos, sendo um problema
crescente, afeta, hoje, 6 em cada 10 jovens, que passam, em média, quatro ou mais horas por dia online.