12 DE OUTUBRO DE 2023
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A primeira coisa que podemos deixar de fazer — e eu sei que é um bordão político e já hoje o ouvimos aqui, e sabemos que é dito sem mal — é deixarmos de repetir esta história do «não aceito ou não aceitamos lições de humanidade de ninguém».
Mas, se não aceitarmos lições de humanidade uns dos outros, vamos aceitar de quem? De onde é que elas hão de vir? Nós aqui, em Portugal, num país onde não pode haver ninguém que não reconheça que naquela terra têm de viver pessoas de várias fés e de vários povos; não há ninguém, nesta Casa, que não reconheça que o pior erro histórico que este País cometeu foi expulsar gente de outras religiões, os judeus e muçulmanos de Portugal.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — E os jesuítas! O Sr. Rui Tavares (L): — Nesta Casa onde foi votada a abolição da Inquisição na primeira oportunidade que
tivemos. Evidentemente, não é digno desta Casa e não é digno do nosso País quem não aceite que a maneira de
resolver este conflito também é através do exemplo que nós podemos dar na nossa política. É por isso que, às vezes, somos tristemente ridículos… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente! O Sr. Rui Tavares (L): — … quando, depois de nos atacarmos, caricaturarmos, demonizarmos uns aos
outros, encolhemos os ombros e dizemos: «porque é que os judeus e os palestinianos não se dão bem?» Nós, que dormimos à noite descansados, nós que não tivemos a nossa casa roubada nem invadida, nós que
não vivemos com medo, que lição damos quando fazemos da nossa política um espetáculo de arma de arremesso partidário ou de utilização daquilo que se passou em Israel e daquilo que se está a passar na Palestina para simplesmente fazer ataque político quotidiano no nosso País? Certamente, se alguma coisa pode ajudar à resolução daquele conflito, não é isto.
Portugal e a Europa têm alguma coisa a fazer e aquilo que têm a fazer é, mesmo no momento mais difícil, continuar a insistir que a solução tem de ser dois povos vivendo lado a lado, em segurança, naquele território; que as resoluções da ONU têm de ser cumpridas; que os colonatos têm de ser desmantelados; que a ocupação ilegal tem de acabar; que tem de acabar um sistema estrutural de discriminação dos palestinianos, que já foi descrito várias vezes como o equivalente ao apartheid; que tem de ser dado um apoio para que a autoridade palestiniana possa construir o seu Estado.
E, na verdade, apesar de todos os ataques políticos, não conheço nenhum partido em Portugal que não defenda aquilo que Portugal tem defendido no quadro das Nações Unidas.
Finalmente, a Europa, se algum papel nós devemos ter na União Europeia, é precisamente o de pôr a Europa perante as suas responsabilidades históricas, porque a Europa tem a responsabilidade na génese histórica daquilo que se está a passar. Foi na Europa que o antissemitismo lavrou durante séculos, durante milénios. Foi na Europa que, em reação a esse antissemitismo, judeus começaram a querer construir o seu Estado naquele que consideravam o seu território histórico.
Protestos da Deputada do CH Rita Matias. Foi na Europa que se deu o Holocausto. Depois foi a Europa que decidiu como redesenhar fronteiras no
Médio Oriente. E, portanto, a Europa, hoje em dia, tem de ser um árbitro de credibilidade e tem de trabalhar para construir essa credibilidade no mundo.
E tem mais que sê-lo num período de instabilidade internacional, em que, entre um conflito e outro, às vezes, esquecemos que, ainda há pouco tempo, houve uma limpeza étnica no território de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão — uma limpeza étnica de arménios, que nos dizem tanto a nós, a Portugal, em particular —, num período de uma instabilidade internacional em que há líderes autoritários dispostos…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.