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21 DE SETEMBRO DE 1983

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dado que estes são tributados pelos rendimentos relativos a 1982, inferiores, em princípio, aos percebidos durante o ano de 1982 [sublinhado nosso].

Isto é, o Governo não esconde a retroactividade e tenta apresentá-la como benesse. Como demagogia não está mal mas adiante se verá o real significado desta posição.

2 — Aliás, em matéria de retroactividade, o articulado já não oferecia dúvidas. A retroactividade pretendida é abertamente «confessada» nas alíneas a) e b) do artigo 1." da proposta de lei, como é igualmente clara, ainda que menor, na alínea c) do mesmo artigo 1.°

O Governo usou, pois, na matéria de toda a frontalidade.

Seria desejável que tal frontalidade não significasse uma despropositada arrogância ou a ideia de que os governos são donos e senhores da legalidade.

3 — Assim sendo, como é, a Assembleia da República — e todos e cada um dos seus deputados — não poderá recusar-se a tomar posição igualmente frontal sobre o pedido que lhe é formulado.

Assumirá ou não, sem margem para dúvidas ou subterfúgios, a responsabilidade histórica de o aceitar, assumindo de igual modo a responsabilidade assumida de, no caso de preferir renunciar aos princípios, não pronunciar um julgamento definitivo, abrindo a porta para que os cidadãos usem inclusivamente do seu constitucional direito de resistência (Constituição da República, n.° 3 do artigo 106.°), para além de todos os meios de reclamação e recurso.

4 — É longa a tradição doutrinária portuguesa justificando em termos mais ou menos absolutos a aplicação do princípio da não retroactividade em direito fiscal.

Não é por isso despicienda a soma de argumentos produzida.

4.1—Assim, o Prof. Oliveira Salazar («Da não retroactividade das leis em matéria tributária», in Estudos de Direito Fiscal, Lisboa, 1963, em especial pp. 25 e segs.) deduz o princípio geral da não retroactividade da lei fiscal da própria natureza da norma jurídica.

Esta, sendo uma norma de conduta social imposta e susceptível de imposição às vontades individuais, por definição, só pode ser obrigatória para o futuro, em relação a actos praticados depois da sua existência, depois de conhecidos os seus comandos. É-lhe logicamente impossível sem violência impor-se a vontades que se manifestaram quando era inexistente a regra. ' No mesmo sentido opina o Dr. Vítor Faveiro, designadamente a pp. 29 e 30 do seu Manual do Imposto do Selo (Coimbra, 1945).

4.2 — Também o Prof. Armindo Monteiro (Lições de Direito Fiscal, vol. i, Lisboa, p. 158) invoca os princípios da segurança e da estabilidade da ordem jurídica como impondo a validade do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

4.3 — Poderiam citar-se o Prof. Teixeira Ribeiro (pp. 46-48 dos Apontamentos de Direito Fiscal, 1951-1952), o Dr. Octávio Medeiros («A retroactividade das leis fiscais», in Scientia Juridica t. i, 1951-1952, pp. 126 e segs.), o Prof. Soares Martinez (Lições, ed. de 1959, p. 39), o Dr. Alexandre do Amaral

(«Curso de Direito Fiscal», Lições, Coimbra, 1959-1960, pp. 96 e segs.) e o Dr. Pessoa Jorge («Curso de Direito Fiscal», Lições, Lisboa, 1964, p. 130).

Igualmente parecia esta a posição do Dr. Braz Teixeira quando da publicação da l.a edição dos seus Princípios do Direito Fiscal Português (nomeadamente pp. 130 e segs.).

4.4 — As mais importantes posições recentes e anteriores à actual Constituição parecem ser, no entanto, as dos Doutores Manuel Cortes Rosa («Aplicação temporal das normas fiscais», in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 26k-27, pp. 51 e segs.) e Alberto Xavier (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 1974, pp. 190 e segs.).

Para o Doutor Cortes Rosa é o princípio constitucional da igualdade perante o imposto que impõe a não retroactividade da lei fiscal.

O Doutor Alberto Xavier vai mais longe, considerando em primeiro lugar que a reserva da lei em matéria de criação de impostos tem por fundamento também razões de segurança jurídica, traduzidas num «princípio de protecção de confiança que o Tribunal Constitucional Alemão declarou — e bem — como um imperativo constitucional de qualquer Estado de direito» (ob. e loc. cits).

Para o Dr. Alberto Xavier «o princípio da protecção da confiança é, assim, do mesmo passo, fundamento e corolário do princípio da legalidade, e consiste na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os encargos tributários com base directa e exclusivamente na lei».

4.5 — Tal era também a posição da jurisprudência, podendo ver-se por todos o notável Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Julho de 1972 (in Acórdãos Doutrinais, n.° 131, pp. 1592 e segs.).

4.6 — Não é outra a lição do direito comparado.

É extensíssima a bibliografia referenciada em qualquer das obras citadas e por recente e elementar bastará referir por todos o Droií Fiscal de Trotabas e Cottoret, Précis Dalloz, 4.a ed., 1980, pp. 136 e segs.

4.7 — Após a vigência da Constituição da República, no mesmo sentido se pronunciou Sousa Franco («Sistema financeiro e constituição financeira na Constituição de 1976», in Estudos sobre a Constituição, vol. in, p. 534), retomando a argumentação de Alberto Xavier e escrevendo:

A reserva de lei formal tem diversos fundamentos — como a segurança jurídica objectiva e a protecção das expectativas legítimas dos contribuintes, entre outros já enunciados. Destes dois fundamentos específicos decorre a proibição de atribuir efeitos retroactivos à lei fiscal.

No mesmo sentido ainda, Vital Moreira-Gomes Ca-notilho (Constituição Anotada, p. 241), que invocam o argumento sistemático de acordo com o qual a legalidade democrática impõe genericamente a não retroactividade das leis de imposição de deveres ou encargos 805 cidadãos (ibid., pp. 37 e 38).

De igual modo Jorge Miranda, para quem a regra da não retroactividade é um corolário do princípio da legalidade e também uma garantia fundamental do princípio da capacidade contributiva, por sua vez corolário do princípio geral de igualdade (Um Projecto de Revisão Constitucional, Coimbra, p. 90).

Ainda no sentido da irretroactividade, podem citar--se Sá Gomes (Curso de Direito Fiscal, Lisboa, 1980,