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II SÉRIE — NÚMERO 12

um estudo por eles feito, e publicado num hebdomadário, acerca do regime da Lei n.° 3/82, de 29 de Março, relativa à condução de veículos automóveis sob a influência do álcool.

Nesse estudo suscitavam, entre outras questões, a da alegada inconstitucionalidade do artigo 9° daquele diploma legal, na medida em que permite que, em caso de pagamento voluntário de multa pelo condutor autuado pela prática de contra-ordenação, a inibição de conduzir seja determinada administrativamente, pela Direcção-Geral de Viação, e não pelos tribunais.

2 — O Provedor entendeu, contudo, não dever solicitar a declaração de inconstitucionalidade da norma em referência, com base no seguinte parecer, elaborado pela assessora encarregada do processo:

No artigo intitulado «O engano da lei do álcool», publicado no semanário O Jornal, de 5 de Março de 1982, assinala-se a inconstitucionalidade da Lei n.° 3/82, de 29 de Março, na parte ('), em que comete à Direcção-Geral de Viação, entidade administrativa, a aplicação de medida de inibição de conduzir a multa é paga voluntariamente.

Em reforço desta proibição, acentua-se nesse artigo que se trata de um regime que traduz «a atribuição de uma pena fora do âmbito dos tribunais, o que é manifestamente inconstitucional», e invoca-se para o efeito a Resolução do Conselho da Revolução n.° 259/ 80 (*), in Diário da República, l.B série, de 15 de Julho de 1980.

II

Para determinar se existe ou não a referida inconstitucionalidade, impõe-se que nos detenhamos na Resolução n.° 259/80 acima citada.

Conforme se pode ver no Acórdão n.° 164, de 10 de Julho de 1979, da Comissão Constitucional, mencionado naquela resolução, o regime consignado no n.° 4 do artigo 61.° do Código da Estrada, segundo o qual o pagamento voluntário da multa feito depois de instaurado o processo é equivalente à condenação, foi considerado como violador não só do artigo 32.° da Constituição, como ainda do princípio constitucional da necesidade de garantias de defesa a todo aquele que veja erguer-se contra si um processo sancionatório, tenha ele natureza criminal, disciplinar, administrativa ou análoga (princípio esse que emana de vários preceitos constitucionais, tais como os artigos 20.°, n.° 1, 28.°, n.° 1, 49.°, n.° 1, e 27.°, n.° 3).

(') Artigo 9."—1 — Para efeitos de aplicação da inibição de conduzir, sendo a multa paga nos termos da lei geral, o auto de notícia mencionará expressamente o pagamento e será remetido à Direcção-Geral de Viação.

2 — Não sendo a multa paga voluntariamente, será o auto remetido ao tribunal competente, para julgamento.

(') Esta resolução declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.° da Constituição e do princípio constitucional da defesa, da norma constante do último período do primeiro parágrafo do n.* 4 do artigo 61.° do Código da Estrada («O pagamento voluntário de multa feito depois de instaurado o processo equivale à condenação»), na parte em que permite a aplicação da inibição da faculdade de conduzir como efeito automático do pagamento e. assim, independentemente da audiência de julgamento e da possibilidade efectiva da constituição de defensor e da presença e audiência do arguido.

Sublinha-se em tal acórdão que essa inconstitucionalidade continua a ter lugar mesmo na hipótese de a inibição de conduzir ser considerada uma medida de direito de mera ordenação social, isto é, que, diversamente das sanções penais, as quais contêm um sentido ético-jurídico de censura em atenção a valores essenciais da sociedade, exprimiu uma censura ou advertência meramente social, tendente a garantir a tranquilidade e a ordem pública (ver Eduardo Correia, Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. xlix, pp. 257 e seguintes).

Só que, partindo dessa concepção de direito de mera ordenação social, a medida em causa é inconstitucional, não por ofender o artigo 32.° da Constituição, preceito relativo às garantias de processo criminal e, consequentemente, tendo em vista as penas e as medidas de segurança, mas por infringir o aludido princípio constitucional da garantia de defesa dos arguidos.

Assim, neste ponto, e tendo em atenção o objectivo que nos propomos atingir, 3 tónicas interessa reter:

1) A norma que, pela Resolução n.° 259/80,

foi considerada inconstitucional, ao ser aplicada, coarctava a possibilidade de defesa do arguido em tribunal, visto que atribuía ao pagamento voluntário da multa efectuada no decurso do processo judicial o efeito da condenação, com o consequente risco de, ao abrigo dessa condenação, o tribunal vir a decretar a inibição de conduzir;

2) Concebendo a medida de inibição de conduzir

como sanção penal, a inconstitucionalidade desse preceito refere-se ao artigo 32.° da Constituição;

3) Concebendo essa medida como direito de mera

ordenação, já a inconstitucionalidade do mesmo preceito se reporta ao princípio constitucional do direito de defesa dos arguidos.

III

Atentemos, agora, na medida de inibição de conduzir incluída no artigo 9.° da Lei n.° 3/82, referente à condução de automóvel sob a influência do álcool.

Pelo que respeita à natureza de tal medida, incli-namo-nos para considerá-la de direito de mera ordenação social, perfilhando a opinião do Prof. Eduardo Correia, no seu estudo atrás indicado, em que a fl. 273 se refere expressamente à apreensão da carta de condução.

Esta posição tem, de certo modo, algumas afinidades com a que é defendida por Pinheiro Farinha, no seu estudo «Problemas do Direito Estradai», in Scientia Jurídica, tomo v, n.° 22, pp. 177 e seguintes, em que qualifica como medida de polícia a interdição de conduzir estipulada no artigo 61.°, n.° 4, do Código da Estrada, ao permitir ao juiz que detecte a interdição temporária ou definitiva do exercício de condução de veículos automóveis quando «entender que a Dosse da carta de condução é susceptível de oferecer aos seus titulares oportunidades ou condições especialmente fovoráveis para a prática de crimes».