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3 DE ABRIL DE 1983

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Nos poços, em regra, não havia retretes ou eram rudimentares e em algumas minas águas e fezes corriam por uma vala.

Aquela comunicação descrevia assim a situação dos trabalhadores:

O mineiro vive em condições péssimas, quase sempre nu da cinta para cima, descalço, fazendo as suas refeições sem precauções de limpeza e defecando livremente em vários pontos das galerias.

Às duras condições de exploração, doença, miséria e invalidez e às condições de trabalho sub-humano assinaladas por notícias de acidentes e mortes, nunca se vergaram os mineiros, que criaram uma tradição de luta em que várias vezes pagaram caro a coragem de defender o seu direito à dignidade.

Desta tradição são memoráveis a greve geral em 1923, provocada, segundo a imprensa, pela «situação miserável dos mineiros [...] dada a exiguidade dos salários» e tendo como causa imediata a suspensão de um camarada que teria sido encontrado «dormindo vencido pelo sono e pelo cansaço depois de 16 horas consecutivas de trabalho».

A greve terminou com a aceitação, pela empresa proprietária, da «admissão completa de todo o pessoal» suspenso e o «cumprimento integral do horário de 8 horas de trabalho», além de outras regalias salariais e sociais. Em Março de 1946 foram presos 27 mineiros por se oporem ao brutal aumento dos géneros fornecidos pela chamada cooperativa da mina e ao agravamento das condições de trabalho; as suspensões, castigos e cargas de trabalho intensas fariam um rol inumerável, ao longo dos 150 anos de laboração das minas, que, em 1941, em plena guerra, chegaram a produzir 330 000 t de carvão.

A revolução energética trazida pela electricidade produzida a partir dos reciysos hídricos e, posteriormente, pela utilização do fuelóleo alteraram por completo as condições de exploração do carvão, reduzindo drasticamente os seus consumos doméstico e sobretudo industrial (CP, Carris do Porto, Central do Freixo, Fábricas de Tecidos de Santo Tirso, etc).

As minas de São Pedro da Cova puderam resistir a esta confrontação com os novos meios de produção de energia, enquanto a Central Termo-Eléctrica da Tapada do Outeiro absorveu 85% (90 t das 120 000 t anuais) do carvão extraído.

Quando, em 1969, aquela Central foi reconvertida e passou a utilizar fuelóleo como combustível, deixando de queimar os carvões da bacia do Douro — função para a qual, aliás, teria sido construída —, o futuro das minas ficou definitivamente comprometido, bem como o de toda uma comunidade que delas dependia e a que não foram proporcionadas alternativas de mudança profissional.

Quando foi encerrada, integravam o complexo mineiro 312 homens do interior, 171 do exterior e 85 mulheres, além dos técnicos; produziu 101 000 t no seu último ano de laboração e alguns mineiros extraíam, em média, mais de uma tonelada de carvão, rendimento considerado pela Flama, de 20 de Março de 1970, «uma autêntica epopeia de trabalho».

2 — As marcas, os testemunhos e a memória de tal epopeia arrastam agora uma existência cada vez mais apagada, como se pretendesse varrer da superfície da terra e da história do País o registo da vida e da

recordação dos que ajudaram também a construí-lo, anonimamente. É a altura de salvar o que ainda subsiste dessa memória e, simultaneamente, dotar o País com o primeiro museu de arqueologia industrial ligado às indústrias extractivas. De salvaguardar o que resta das instalações e equipamentos do corpo principal das minas e da entrada para o poço de São Vicente. De recolher e organizar os materiais, documentes, registos, instrumentos de trabalho, etc. De lançar as bases de um museu moderno e dinâmico que assegure o respeito pela «epopeia de trabalho» do lugar e a organização coerente de um equipamento cultural de novo tipo que dê o testemunho da «civili-sação industrial» na região.

0 desaparecimento ou a destruição deste testemunho seriam uma afronta à consciência da população e do seu passado de trabalho insano e heróico.

A criação do Museu Mineiro de São Pedro da Cova, visa, no fundamental, a salvaguarda e divulgação dos registos e documentos, materiais respeitantes aos quase 200 anos de história tanto daquele complexo industrial como da comunidade que se desenvolveu a partir dele. Muita gente que nasceu e vive em áreas industrializadas nunca foi sensibilizada —escolar ou extra-escoiarmente— para compreender que a zona onde mora e as indústrias que lhe estão associadas têm passado e uma «história».

Um dos papéis dos museus ou dos locais onde se conservam elementos da chamada arqueologia industrial é precisamente o de ajudar a população a assumir uma opinião consciente face à memória cultural e social da sua região e a observar a evolução da tecnologia e das formas de produção, é com estes objectivos que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta este projecto de lei.

Nestes termos, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:

ARTIGO 1." Criação

1 — Ê criado o Museu Mineiro de São Pedro da Cova.

2 — O Museu Mineiro de São Pedro da Cova, adiante designado por Museu, funcionará na dependência da Secretaria de Estado da Cultura.

ARTIGO 2." Sede

O Museu terá sede na freguesia de São Pedro da Cova.

ARTIGO 3.» Competências

Compete ao Museu:

a) Recolher e divulgar informações acerca dos processos técnicos que estiveram na origem e desenvolvimento da indústria mineira no local, através de documentos escritos e visuais, das máquinas, equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados em diferentes épocas, e dos próprios locais em espaços adaptados e construídos para a indústria;