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II SÉRIE — NÚMERO 95
Assim, se se pretender ampliar o conteúdo do direito de reserva, tal resultado pode ser atingido de vários modos: aumentando o número de pontos e mantendo o critério, mantendo o número de pontos e alterando o critério, alterando o número de pontos e o critério. Qualquer que seja, porém, a técnica usada pelo legislador para alterar o conteúdo da reserva —para mais ou para menos—, o facto é que este tem de ter presente, e em correlação, todos os elementos focados, sob pena de o dado final resultar falseado. Só a conjugação de todos os elementos focados pode dar ao legislador a medida exacta da unidade de exploração agrícola a atingir através da reserva. Por isso se pode dizer, com Dimas Lacerda ('), que o direito de reserva é um «direito de conteúdo homogéneo», não sendo logicamente pensável que o legislador desconhecesse esta realidade.
Assim, tendo a Lei n.° 77/77, de uma forma expressa, alterado o número de pontos e o critério da pontuação e estabelecido a possibilidade de majorações em relação ao direito de reserva relativo a prédios expropriados, no âmbito do Decreto-Lei n.° 406-A/75, e tendo, no artigo 67.°, mandado aplicar o que antes dipusera expressamente sobre o direito de reserva aos prédios nacionalizados ao abrigo do Decreto-Lei n.° 407-A/75, não pode o intérprete, sob pena de quebra da unidade do direito de reserva, excluir, na aplicação do artigo 67.°, o novo critério de pontuação, chave dos demais elementos de reserva. Por isso dissemos atrás e reafirmamos: se a Procuradoria-Geral da República pretende uma manifestação inequívoca de que o legislador quis aplicar o novo critério da pontuação às reservas relativas ao Decreto-Lei n.° 407-A/75, tal manifestação encontra-se no artigo 67.° da Lei n.° 77/77.
11 — Acresce que o direito de reserva não é um instituto que fique ad aeternum ligado às regras que o criaram, como a Procuradoria-Geral da República pretende fazer crer. Aliás, a evolução legislativa demonstra-o abundantemente, criando direitos e reservas adicionais (artigos 12.° e 13.° do Decreto-Lei n.° 493/76), alterando o conteúdo do direito de reserva (Decreto--Lei n.° 236-A/76), criando direitos de reserva para entidades que inicialmente não possuíam tal direito, etc.
Ora, uma das regras que pode ser também alterada é a do critério de pontuação. Foi o que o legislador pretendeu com o artigo 67." da Lei n.° 77/77, interpretado conjugadamente com o n.° 1 do artigo 31.° da mesma lei.
E não nos parece que, como o parecer da Procuradoria-Geral da República afirma, o artigo 31.° da Lei n.° 77/77 não diga respeito às normas específicas do direito de reserva, mas antes à pontuação dos prédios expropriáveis, como tal estando excluído da remissão operada pelo artigo 67.° Na verdade, já atrás foi referido, mas não é de mais repetir, uma das normas básicas relativas às reservas é precisamente a que fixa o critério de pontuação — só a partir dela sendo possível determinar a pontuação da área reservada, bem como as majorações. O número de pontos e as majorações serão regras sem valor intrínseco se o critério de pontuação não estiver previamente fixado. Foi assim que a Assembleia da República o entendeu, como resulta claro dos debates havidos e já mencionados, e se fosse sua intenção dissociar no artigo 67.° aquelas regras, decerto tê-lo-ia feito expressamente, dado que conscientemente se confrontou com o problema.
(') Scienlia lurídica, n.os 172-174, p. 359.
12 — Acresce que o conteúdo do direito de reserva está directamente relacionado com o limite máximo das unidades de exploração agrícola, a que se refere o n.° 2 do artigo 99.° da Constituição ('). Por outras palavras, ao fixar o direito de reserva, o legislador da lei da Reforma Agrária estava concomitantemente a fixar o limite máximo da unidade de exploração agrícola para a Zona da Reforma Agrária (artigo 47.°), limite cuja fixação teve decerto em conta um rendimento agrícola correspondente ao salário máximo anual.
Ora, tudo parece indiciar na Lei n.° 77/77, e decorre dos debates parlamentares, que se pretendeu fixar um único limite máximo para a unidade de exploração agrícola privada na Zona da Reforma Agrária.
Se, porém, contra toda a lógica da unidade do direito de reserva, se considerar —como é de opinião a Procuradoria-Geral da República — que o artigo 67.° deve ser interpretado no sentido de excluir da sua aplicação o novo critério adoptado na Lei n.° 77/77, somos levados a concluir — sem qualquer apoio legal e contra toda a lógica, repita-se— que a lei fixou não um único limite máximo para a unidade de exploração agrícola, mas dois, consoante se trate de reservas em zonas de reg2dio ou de reservas em zona de sequeiro (não deve esquercer-se que a contagem do mesmo número de pontos segundo critérios diferentes dá origem a áreas valor também diferentes). É urna interpretação que nos parece totalmente de repudiar.
13 — A finalizar, interessa agora responder à questão de saber se o artigo 67.° da Lei n.° 77/77 se deve ou não considerar inconstitucional, à luz do princípio da irrevsr-sibilidade das nacionalizações, na medida em que a aplicação de certas normas da Lei n.° 77/77, nomeadamente a do n.0 1 do artigo 31.° (mas também as constantes dos artigos 23.°, 65.°, 67.°, etc), implicam a reversão de partes significativas de prédios nacionalizados, ou, mesmo, a revogação de determinados actos expropriativos.
Antes de mais convém chamar a atenção para a própria lógica da nacionalização que decorre do Decreto-Lei n.° 407-A/75.
Assim, importa referir que, sendo a nacionalização decorrente do Decreto-Lei n.° 407-A/75 obra directa da lei, o direito de reserva, previsto e regulado no mesmo diploma, implica sempre uma «desnacionalização». Por um lado, é um direito de propriedade novo, que nasce na esfera jurídica da entidade cujos bens foram nacionalizados. Por outro, a reserva a atribuir situa-se, nos termos da lei, na «área nacionalizada» (artigo 2.°), o que de novo inculca a ideia de «desnacionalização» (2). Nestes termos, a aplicação do artigo 83.° da Constituição —irreversibilidade das nacionalizações— à situação acabada de descrever implicaria a abolição do direito de reserva, o que se pensa não ter sido intenção do legislador constituinte.
O esquema acabado de delinear e constante da lei, apartando-se do «direito de reserva como área remanescente» (3), cria espinhosos probiemas jurídicos, além de conduzir inevitavelmente a conflitos entre o Estado, as entidades beneficiárias da Reforma Agrária e os reservatórios, como é o caso que ora prende a nossa atenção (4).
(') V. Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição Anotada, 1 .* ed., p. 233, e Pareceres da Comissão Constitucional, vol. tu, p. 99.
(2) No mesmo sentido, quanto às expropriações, Joaquim da Silva Lourenço, «Reforma agrária», em Estudos sobre a Constituição, vol. i, p. 230, que escreve:
O direito de reserva efectivar-se-á, não por meio da não expropriabüi-dade da área residual, mas através da concessão pelo Estaco de um direito sobre um prédio distinto, direito relativamente ao qual se emitirão cartas de concessão que terão força probatória plena (artigo 16." do Decreto Regulamentar n.° 11/77, de 3 de Fevereiro).
(3) Joaquim Lourenço, ob. cit., p. 229.
(") Joaquim Lourenço, antes mesmo da Lei n.° 77/77, evidenciava já a susceptibilidade de tais conflitos.