29 DE JANEIRO DE 1988
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Perguntas ao Governo
Cinco perguntas que o PCP dirige ao Governo sobre as obscuridades, Irregularidades e falta de transparência do processo de privatizações previsto pela proposta de lei n.» 18/V.
A proposta de lei n.° 18/V:
É inconstitucional, como o PCP deomonstrou atempadamente ao impugnar a sua admissão, com argumentos sufragados pelos mais diversos quadrantes;
É gravosa para a economia nacional, ao visar a transferência de empresas públicas lucrativas e altamente rentáveis para as mãos de grupos privados, em detrimento do interesse público, pondo em risco os direitos dos trabalhadores e a subordinação do poder económico ao poder político democrático;
É obscura quanto a aspectos fulcrais do processo que o Governo pretende levar a cabo.
Com vista a assegurar que o debate na generalidade da proposta de lei n.fi 18/V possa, nos termos regimentais, contribuir para aclarar o sistema e princípios da iniciativa apresentada pelo Governo, esclarecendo obscuridades, omissões e outros aspectos que, pela falta de transparência, assinalam o processo tal qual tem sido conduzido pelo Governo, os deputados abaixo assinados apresentam, com vista a adequada resposta durante o debate, as seguintes cinco perguntas ao Governo:
1 — A proposta de lei n.° 18/V não especifica quais os poderes a conferir aos grupos privados no tocante à gestão das empresas públicas cuja alienação (inconstitucional) o Governo pretende. Trata-se, porém, de uma questão central. Multiplicam-se, aliás, as declarações de chefes de grupos económicos sublinhando que a aquisição proposta pelo Governo não é comportável com a manutenção pelo Estado dos poderes de decisão e de gestão. Sem garantias de efectivo poder de gestão privada (que o próprio Governo reconhece como inconstitucional no presente quadro !) a proposta de lei n.B 18/V seria —no entender de tais clientelas — uma «lotaria».
Ao não responder a tal pergunta, a proposta de lei n.° 18/V adensa o clima de suspeição justa quanto aos métodos e à postura do Governo neste processo. A familiaridade de certos grupos económicos com os meios governamentais suscita a legítima questão de saber se alguns dos que se disponham a jogar na lotaria não o farão, na certeza antecipada de adquirir o número da sorte grande. E hoje que o Governo quebra a ambiguidade quanto a este ponto fulcral?
2 — A proposta de lei n.° 18/V omite qualquer referência aos critérios de avaliação das empresas cuja alteração (inconstitucional) o Governo pretende. O Executivo não só vem mantendo sobre tal matéria completo silêncio como não contrariou sequer as pretensões já manifestadas por bancos privados e outras instituições financeiras em certos casos com conexões a altos representantes do PSD (como a CISF, a ESSI e a MDM) no sentido de serem seleccionadas para esse efeito. Não considera o Governo que tal silêncio legitima a suspeição de que as avaliações pretendidas possam vir a ser feitas, directa ou indirectamente, por entidades interessadas nó leilão de EPs para que aponta a proposta de lei n.B 18/V?
3 — Têm vindo a público, em diversos órgãos de comunicação social, declarações de gestores públicos e dirigentes de meios empresariais privados revelando (quando não proclamando) a existência de negociações e contactos
vários tendentes a «assegurar posições» no processo de privatizações que o Governo pretende (inconstitucionalmente) abrir com a proposta de lei n.Q 18/V. Com particular insistência têm surgido tais declarações em relação ao BPA, dando-se a entender conversações de alto nível, cujo conteúdo, qualquer que seja, é susceptível, só por si, de inquinar todo o processo e o Governo que o conduz.
Nestes termos, pergunta-se: desmente o Governo formalmente tais contactos ... ou considera-os compatíveis com os padrões a que constitucionalmente está sujeita a Administração Pública?
4 — O recente despacho do Ministro das Finanças determinando inspecções a sete empresas do grupo SONAE, bem como às instituições financeiras que participaram nas operações de oferta pública de acções dessas empresas, bem como as declarações que sobre a matéria emitiu o seu autor (designadamente ao extrair pré-conclusões e o vaticínio de que o resultado «confirme que tudo está bem») suscitaram já um pedido de inquérito parlamentar, dado o escândalo co-involvido.
O despacho suscita, porém, em relação ao processo que a proposta de lei n.° 18/V visa encetar, melindrosas questões, uma vez que, nos seus considerandos, revela práticas governamentais em relação a grupos económicos cujo cabimento e finalidades são, pelo menos, muito obscuros. Revela o despacho que «a pedido» (sic) do Ministro das Finanças, o Secretário de Estado do Tesouro realizou, dias antes da consumação das OPVs da SONAE uma reunião com a participação de várias entidades (embora com a ausência do presidente do BPA!). O que levou o Ministro das Finanças a fazer esse pedido? A descrição das demais diligências afigura-se incompleta e omissa quanto ao papel do grupo económico visado antes e durante o processo...
Por outro lado, suscita perplexidade o facto de o presidente do BPA ter escolhido este momento para declarar que o BPA fez mais por este Governo que este Governo pelo BPA...
Nestes termos pergunta-se: está o Governo disponível para aclarar de imediato — ainda antes da realização de qualquer inquérito parlamentar— todos os aspectos nebulosos e omissos sobre os quais ou vem mantendo silêncio ou (como ocorreu com o Ministro Cadilhe) produzindo declarações que agravam um quadro extremamente obscuro e melindroso?
5 — Sendo manifestas as responsabilidades do Governo na génese do clima especulativo na Bolsa (encarada pelo Executivo como um instrumento fundamental da política de desnacionalizações), verifica-se que a actuação do Governo tem conduzido ao adensar de um estado de generalizada suspeição e desconfiança.
Face à denúncia pública de irregularidades, deficiências, lapsos e incúrias dos responsáveis governamentais (feita por entidades de vários quadrantes, incluindo do partido governamental), o Governo tem-se mantido inactivo ou adoptado medidas avulsas contraditórias, deixando sem punição situações (incluindo de inside irading) — que até elementos do PSD reconhecem «suficientes para iniciar um processo».
O Governo chega ao ponto de admitir que o chefe de um grupo económico exerça funções de direcção numa bolsa de valores (o que, aliás, suscita uma justa interrogação: será que o Governo encara a similar participação de porta-vozes de grupos económicos na comissão de acompanhamento das privatizações previstas na proposta de lei n.B 18/V?!).
Pergunta-se: é neste quadro de irregularidade, ilegalidade e incerteza que o Governo pretende aplicar a proposta de lei n.B 18/V? E se não fosse inconstituconal (como é) e