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II SÉRIE-A - NÚMERO 2

PROPOSTA DE LEI N.° 119/V

COOPERAÇÃO JUDICIARIA bVTERNACiONAL EM MATÉRIA PENAL

Exposição de motivos

1 — A mobilidade de pessoas entre os territórios dos diferentes Estados, facilitada pelos modernos meios de transporte e pelas cada vez mais intensas relações de troca comerciais, especialmente entre os Estados membros da Comunidade Económica Europeia, que se propõe abolir os obstáculos à livre circulação de pessoas, de serviços e capitais, obriga a repensar, em novos moldes, a problemática da cooperação internacional em matéria penal.

Os fenómenos referidos têm como consequência imediata uma crescente presença de estrangeiros em processos criminais, que postula novos problems de comparência em juízo, de adequada defesa dos arguidos ou de reinserção social em caso de condenação.

Por outro lado, da mobilidade de pessoas que atravessam constantemente as fronteiras dos Estados emergiu uma delinquência de carácter internacional, que ameaça ou viola bens jurídicos comuns a todas as sociedades e que se aproveita das limitações das regimes jurídicos existentes em matéria de competência extraterritorial para iludir ou, pelo menos, dificultar a aplicação da lei penal, praticando actos criminosos em determinado Estado em frequentes condições de impunidade.

Este estado de coisas não pode ser eficazmente contrariado pelos meios tradicionais da justiça penal, até aqui fortemente imbuídos do princípio da territorialidade, pelo que, em seu lugar, se torna necessário o recurso, cada vez mais amplo, a formas de cooperação internacional aptas a assegurarem a efectiva aplicação da lei e os fins reabilitadores das penas ou medidas de segurança privativas da liberdade.

2 — Assim se impõe uma nova concepção supranacional da justiça penal, que permita aos tribunais do Estado de origem do acusado ou do condenado pela prática de factos criminosos também puníveis noutro Estado aplicarem a sua legislação penal, substantiva ou adjectiva, como se o crime tivesse sido praticado no âmbito da sua jurisdição.

Dito de outra maneira, impõe-se a extensão da jurisdição dos tribunais a factos praticados no estrangeiro, ainda que, pelo direito vigente, tal competência lhes não caiba, simultaneamente lhes facultando a possibilidade de ceder, a favor dos tribunais do Estado de origem do acusado ou do condenado, a jurisdição para o conhecimento de crimes cometidos no interior do território ou a execução das respectivas sentenças.

Esta concepção pressupõe a existência de uma dupla incriminação dos comportamentos contrários aos valores comuns das sociedades democráticas e de sanções análogas, que naturalmente exclui a cooperação entre Estados cujas infracções criminais e respectivas sanções não possam ser convertidas na tipologia criminal de um e outro dos Estados interessados.

3 — Verificadas estas condições, abre-se caminho a uma progressiva harmonização das leis penais substantivas e estabelece-se um espaço judiciário internacional entre Estados que defendem os mesmos valores e seguem políticas criminais semelhantes, o que lhes permite, na base da reciprocidade, essa mútua cessão da

jurisdição penal, subsidiária do clássico mecanismo da extradição, uma vez que só se justificará razoavelmente quando esta forma de cooperação não possa ter lugar ou se revele inadequada.

A extensão da cooperação internacional, moldada em novos termos, só colhe justificação, porém, quando não estejam em causa simples «bagatelas penais», ou seja, actos de cooperação por infracções ligeiras ou execução de penas de curta duração.

4 — A cooperação internacional com base nas referidas premissas vem sendo impulsionada pelo Conselho da Europa, através de numerosas convenções de entreajuda judiciária em matéria penal, que vão desde a clássica forma de extradição até à recente Convenção sobre Transferência de Pessoas Condenadas de um Estado para Outro.

À sombra deste movimento amplo de cooperação internacional em matéria penal, têm-se intensificado tratados bilaterais, mesmo entre Estados que não são simultaneamente membros do Conselho da Europa.

É o caso de Portugal, que já firmou tratados sobre transferências de pessoas condenadas com a Tailândia e, recentemente, com a República Popular da Hungria.

5 — O decisivo empenho de muitos Estados membros do Conselho da Europa na intensificação de várias formas de cooperação internacional em matéria penai tem obrigado à introdução, nas respectivas ordens jurídicas, de legislação destinada a conferir-lhes eficácia prática e a regular as condições em que pode efectivar-se tal cooperação.

O exemplo mais significativo é a Loi fédérale sur l'entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981, da Confederação Helvética, que tem servido de modelo para outros Estados, a qual se propõe regular, num único texto, as diferentes formas de cooperação internacional em matéria penal.

Na mesma linha situam-se uma lei austríaca de 4 de Julho de 1979, uma lei alemã de 23 de Dezembro de 1984, o recente Código de Processo Penal italiano, aprovado pelo Decreto do Presidente da República de 22 de Setembro de 1988, n.° 447, cujo livro xi trata das relações com autoridades estrangeiras, abrangendo a extradição, as rogatórias internacionais, os efeitos das sentenças penais estrangeiras e a execução, no estrangeiro, das sentenças penais italianas, e um anteprojecto espanhol para a cooperação judiciária internacional em matéria penal.

Aliás, no país vizinho, a Lei Orgânica do Poder Judicial n.° 6/1985, de 1 de Julho, estabeleceu já as bases dessa cooperação, assinalando o carácter de fonte primordial de direito que, na matéria, corresponde aos tratados internacionais e estabelecendo a competência dos tribunais espanhóis nos feitos que se suscitem em Espanha relativamente à lei e àqueles tratados ou convenções de que o Estado Espanhol seja parte.

Anteriormente, a Lei n.° 4/1985, de 21 de Março, relativa à extradição passiva, havia já regulado esta forma de cooperação, em ordem a harmonizá-la com a nova Constituição e com as convenções europeias ratificadas pela Espanha.

Entre nós, o Decreto-Lei n.° 437/75, de 16 de Agosto, sobre extradição, veio definir o regime deste instituto jurídico, quer no aspecto substantivo, quer no processual, colmatando assim uma lacuna, porquanto tal matéria vinha a ser regulada por tratados bilaterais que, como se diz no seu preâmbulo, eram inteiramente omissos quanto ao processo aplicável à decisão do correspondente pedido.