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3 DE JULHO DE 1993

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PROJECTO DE LEI N.« 339/VI

ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Um dos normativos vigentes que mais carecem de urgente reforma é o Código de Processo Civil.

Baseado ainda em grande parte no Código de 1939, embora com várias alterações ocorridas, sobretudo a partir da década de (60 /1961, 1967 e em 1985). é ainda fruto de uma concessão burocrática, formalista e autoritária, sacrificando quase sistematicamente a justiça material a decisões formais.

O Código constitui boje, como vem sendo reconhecido quase unanimemente pelos operadores do sistema judiciário, um factor, entre outros, do deficiente funcionamento dos tribunais.

Contém soluções que, se porventura tiveram alguma validade há décadas atrás, geradas num ambiente político--social que nada tem a ver com o actual, não servem os interesses dos cidadãos em obter decisões que procurem a solução justa dos conflitos e não a pura decisão formal.

O Código desrespeita princípios fundamentais do direito processual moderno, como sejam o do acesso ao direito, o do contraditório, o da igualdade de armas, o da fundamentação da decisão de facto, o da subordinação da norma de processo à busca da verdade material, o da colaboração entre as partes e o tribunal e o da possibilidade de reapreciação da prova produzida quando da interposição do recurso.

Depois de minireforma de 1985, tem-se gorado sucessiva e ingloriamente as várias tentativas dos governos do PSD para pôr de pé uma verdadeira reforma do processo civil.

O anteprojecto de 1988, elaborado pela mesma comissão que já tinha produzido a reforma de 1985, sujeito a discussão pública, foi «metido na gaveta» pelo Governo; um outro projecto (?), aparecido em 1990, nunca foi publicado nem discutido!

De qualquer modo, os projectos morreram, pela razão simples de terem mantido como estrutura básica ainda a do Código de 1939, embora muitas das soluções do anteprojecto de 1988 (o único que foi sujeito a discussão pública) fossem positivas.

Em Janeiro de 1992, o Ministro da Justiça nomeia uma comissão, presidida pelo Secretário de Estado, para propor em 30 dias (sic) as linhas gerais do novo Código!

Nove meses depois, a comissão fez entrega do seu trabalho; este consta já de um texto, cuja discussão pública anunciada pelo Ministro da Justiça em princípios de Fevereiro deste ano, ainda não se iniciou!

A incapacidade do Governo para levar por diante a urgente reforma do processo civil (de que são, aliás, tributárias de outras formas de processo), ligada as infelizes reformas que introduziu e em que continua a insistir, relativas à orgânica judiciária, agravam cada vez mais a situação dos tribunais.

Era já tempo de, mesmo na impossibilidade de uma reforma global a curto prazo, a qual necessita de ponderação mais dilatada e ampla discussão pública, levar a cabo reforma intercalares e pontuais em várias matérias em que a urgência é- especialmente sentida por lodos e em que bem poderá dizer-se que não será difícil conseguir um amplo consenso.

Não se discute, antes se aceita, a necessidade de «ir reformando», cot etapas, perante as dificuldades dé uma

reforma global e depois de já perdidos tantos anos em indecisões, incompetências e incapacidades políticas.

Mas, ao ritmo do Governo, entraremos no século xxi com uma lei processual própria do século xrx!

O Partido Socialista pretende dar um contributo decisivo para acabar com essa situação e acordar o Governo para o assumir das suas responsabilidades. Por isso apresenta na Assembleia da República o presente projecto de lei, reforma intercalar e urgente de muitos dos dispositivos do Código de Processo Civil, permitindo, finalmente, iniciar um caminho que o Governo se mostra incapaz de percorrer.

O projecto é simplificador e desburocratizador; afirma concepções e princípios democráticos na lide processual; contribui para um clima de aberta cooperação entre as partes e o juiz na condução do processo; termina com muitos entraves injustificados ao direito de pleitear, sobrepõe a justiça material à justiça formal; flexibiliza muito do que hoje é rigidez processual — enfim, procura recolher o melhor da experiência de vários operadores judiciários, tendo em vista facilitar o acesso à justiça.

Assim, põe-se termo a disposições que impõem limitações injustificadas ao acesso à justiça (artigos 280.°, 281.° e 282.°) ou criam graves limitações no recurso a meios processuais (artigos 389.°, n.°4, e 403.°, n.08 3 e 4).

Afirmam-se em vários pontos os princípios da igualdade de armas e do contraditório artigo 3.° (artigos 485.°, 486.°, 490.u, 690,° 795.° e 817.°).

Alteram-se algumas disposições respeitantes ao direito probatório e da necessária fundamentação de todas as respostas aos quesitos (artigos 595.°, 596.°, 623.°, 631.° e 653.°).

Facilitam-se vários actos processuais, designadamente notificações e citações, mas, em contrapartida, reforçam--se as g;irantias para o notificado ou citado (artigos 176.°, 195.", 228.", 235.", 238.°-A, 239.°, 243.° e 257.°).

Tennina-se com a necessidade de reconhecimento da assinatura nos escritos particulares para que constituam título executivo, criando-se em contrapartida a possibilidade de arguição da sua falsidade (artigos 51.° e 818.°).

Criam-se novas possibilidades de flexibilizar os prazos quando a substância do conflito o exigir e igualmente se permite a prática do acto para além do prazo peremptório, embora com o pagamento de multa, fora do estrito fundamento do justo impedimento (artigos 145.°, 147.°, 149.°, 506." e 651.").

Acabam-se com actos ou diligências inúteis (artigos 233.°, 578.° e 596.°) e instaura-se um regime de colaboração e consenso das partes e do tribunal em muitos pontos (artigos 160."-A, 265,°, 280.° e 167.°).

Tenta-se normalizar e tomar mais expedito muito do embaraço burocrático que é hoje o processo executivo (artigos 811.", 818.°, 832.°, 837.°-A, 838.°, 872.°, 886.°, 889." e 928.").

Consagra-se, finalmente (!), o registo da prova produzida em tribunal (artigos 385.°, n.° 4, e 522.°-A), obri-gando-se por outro lado a uma fundamentação mais completa da decisão da matéria de facto (artigo 653.°).

Não é a reforma global de que o País e a justiça portuguesa necessitam, mas é um primeiro passo importante que o Governo é incapaz de dar e que a Assembleia da República tem o dever de ievar por diante.

Não se poderá ir mais além sem tocar na estrutura geral do processo; uma reforma intercalar é isso mesmo — avançar com o possível, lendo em vista o necessário, no caso vertente, a reforma global.