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II SÉRIE-A — NÚMERO 4
Por ser assim, não se afigura relevante, para este efeito, a tese de que as mais-valias constituem fados tributarios autónomos, como autónomos seriam os reinvestimentos exigidos para efeito do beneficio do artigo 18° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que ora se pretende revogar.
O que importa é que o facto tributario relevante para efeitos de IRC — o apuramento de eventual lucro — só se realiza no fim do período fiscal, por imperativo legal vigente.
Como ensina o Prof. Braz Teixeira:
A solução que se afigura correcta é a de aplicar a lei nova a todos os factos e situações verificados no período em que aquela entra em vigor, urna vez que, tratando-se de impostos periódicos, a tributação incide sobre o conjunto de factos tributáveis que tenham lugar durante cada um dos períodos, independentemente do momento em que ocorram: só no termo do período os factos ou situações tributáveis adquirem a sua plena e integral medida, só então se tomam perfeitos, pelo que a sua tributação deve efectuar-se de acordo com a lei em vigor no termo do período da qual dependerá a sua sujeição a imposto e a dimensão concreta dessa sujeição O1).
Salvo melhor opinião, não estamos também, neste caso, perante uma norma retroactiva, tanto mais que ficaram expressamente salvaguardadas as situações ocorridas em 1992.
Na verdade, só é retroactiva a lei que se aplica à liquidação de obrigações de imposto nascidas no domínio de uma lei anterior, o que não é o caso, aprovada e publicada que seja a proposta de lei n.° 78/VI antes de 31 de Dezembro de 1993.
Significa isto que, não ocorrendo retroactividade também em rehção ao n.° 4 do artigo 7.° da proposta de lei n." 78/ VI, não se pode chegar a colocar, sequer, a questão de eventual inconstitucionalidade daquela disposição a tal título.
Ora, o fundamento do recurso em apreciação é tão-só o da alegada inconstitucionalidade do artigo 5.° e do n.° 4 do artigo 7.° da proposta de lei do orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993 por, segundo o recorrente, tratar-se de normas retroactivas.
Uma vez, porém, que consideramos não ocorrer tal retroactividade, inclinamo-nos, prima facie, para a inexistência da alegada inconstitucionalidade.
A posição adoptada como a que entendemos por correcta não nos exime, porém, de abordar as várias posições da doutrina e da jurisprudência sobre a questão da retroactividade fiscal e da sua eventual inconstitucionalidade.
O princípio geral de que a lei só deve dispor para o futuro tem consagração expressa nos artigos 12.° e 13." do actual Código Civil e já o tinha, anteriormente, no artigo 8° do Código de Seabra.
No domínio doutrinário a retroactividade é graduada, ex-traindo-se daí diferentes consequências jurídicas.
Assim, Baptista Machado refere-se à «retroactividade de grau máximo», a qual não respeitaria sequer os casos julgados; «retroactividade de grau médio» permite a aplicação da lei nova às situações pendentes sem se deter perante efeitos já produzidos, com respeito, porém, pela res judicata vel transacta vel praescripta e finalmente a «retroactividade normal» que respeita os efeitos já produzidos sob a lei antiga (*).
(') Princípios de Direito Fiscal, 3.* ed.. Coimbra. Almedina, 1989, pp. 157 e 158.
(4) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Baptista Machado, Almedina. Coimbra, 1987, p. 226.
Também há quem fale em «retroactividade propriamente dita» para significar que a lei noya não pode apreciar e valorar factos passados no domínio da lei antiga e em «retroactividade imprópria» para significar que não deve regular situações que, mantendo-se ou surgindo depois da entrada em vigor da nova lei, se acham de tal forma vinculadas a factos anteriores que a sujeição a ela implicaria praticamente uma nova apreciação de tais factos (5).
Aparece na doutrina outro tipo de classificações da retroactividade, todas elas, de uma forma geral, reconduzíveís ao quadro fixado pelo Prof. Baptista Machado já citado. É o caso de Roubier (°), Affolter O e Oliveira Ascensão (*).
O Prof. Alberto Xavier fala em «retroactividade de l.° grau» (perfeita ou própria), em «retroactividade de 2.° grau» (imperfeitaou imprópria)eem «retroactividade de 3°grau» O-
Afigura-se interessante fixar a situação que Prof. Alberto Xavier designa por retroactividade a 3." grau, pois que, a verificar-se retroactividade no caso das normas da proposta de lei n.° 78/VI, referidas no requerimento de recurso (o que, eventualmente, aconteceria se não existisse o n.° 7 do artigo 7.° do Código do IRC, ou norma equivalente), ela seria tão-só de 3.° grau.
Esta consideração afigura-se pertinente e relevante porquanto a avaliação do grau de retroactividade das normas tem o maior interesse para aferir da sua conformação constitucional.
Em termos de direito comparado são poucos os países em que se consagra constitucionalmente o princípio da irre-troactividade da lei em geral, incluindo a lei fiscal.
Os exemplos registados neste caso são a Venezuela, o Paraguai, o Peru e a Bolívia. De um modo geral, porém, considera-se implícito nos princípios constitucionais ou deles decorrentes o princípio da aplicação não retroactiva da lei fiscal. É o caso dos Estados Unidos e da República Federal da Alemanha (in).
Em França entende-se que a Constituição não proíbe a retroactividade da lei fiscal. Maurice Duverger refere:
Cependant, le principe de non-rétroactivité n'est pas inscrit dans la Constitution. Le législateur peut donc y déroger s'il le veut. Ainsi, le Parlement peut voter une loi fiscale rétroactive. Mais, en l'absense de dispositions expresses à cet égard, un décret d'application ne peut pas comporter de dispositions rétroactives (").
Em Portugal, estabelecia-se no § 2.° do artigo 145° da Carta Constitucional da Monarquia que «a disposição da lei não terá efeito retroactivo».
Com a Constituição de 1911 retirou-se dignidade constitucional ao princípio geral da não retroactividade da lei.
Como desenvolvidamente refere o Dr. Pires da Cruz, tal não aconteceu por acaso, mas por vontade expressa dos constituintes de então (n).
(5) Pessoa Jorge, «Da não retroactividade da lei em matéria de benefícios fiscais», in Ciência e Técnica Fiscal, n.° 118. Outubro de 1968. p. 39.
(°) Roubier, Le droit transitoire, 2." ed.. Paris. 1985. pp. 285 e segs.
(7) System des Deutschen Bürgerlichen Libergaugsrechts, Jeípzig, 1903. p. 29.
(8) In O Direito, FCJ, Lisboa, 1978. C9) Ob. cit.. fl. 199.
(,0) Vasco Branco Guimarães, in Retroactividade da Lei FixtcA, Admissibilidade e Limites. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa. 1983, pp. 49 e segs.
(") Éléments de Fiscalité, Thémis, p. 83.
(n) In Da Aplicação das Leis no Tempo. Lisboa, 1940. p. 216.