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II SÉRIE -A — NÚMERO 4

que não disse só por agradar aos seus conceitos ou preconceitos [...] (").

Este facto não tem impedido que, com fundamentos diversos, vários autores considerem inconstitucional, verificadas certas circunstâncias e requisitos,.' a lei fiscal retroactiva.

A este respeito escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira:

Já a questão do princípio da não retroactividade, ou seja, da ilegitimidade do ithposto retroactivo (ou melhor, da lei fiscal retroactiva), é mais complicada, desde ' logo porque não é fácil apurar um conceito seguro de impostó retroactivo. Seja como for, quando se estiver perante imposições fiscais real e autenticamente retroactivas, parece dever admitir-sé que isso ofende, se não um princípio geral de irretroactividade das obrigações públicas em geral, pelo menos o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.°), naquilo em que este pressupõe a salvaguarda de um mínimo de confiança e de segurança dos cidadãos que os ponha a salvo de inesperadas e arbitrárias imposições de novas obrigações. Nessa medida, o imposto retroactivo (ou qualquer outra norma fiscal retroactiva) é, em princípio, constitucionalmente ilícito, só assim não sendo quando razões particulares, constitucionalmente relevantes, se sobreponham aqueles outros valores constitucionais; desde modo, todo'o imposto retroactivo deverá ser devidamente justificado, à luz de bens ou interesses constitucionalmente protegidos (l6).

Outros autores, porém, entendem que a irretroactividade da lei fiscal decorreria do princípio da igualdade e também do princípio da legalidade, entendido este como dirigido não apenas ao intérprete mas também áo legislador, é este o caso dos Profs. Jorge Miranda (l7) e Leite de Campos (l8).

O Prof. Soares Martinez entende que a Constituição, ao vedar, no artigo 18.°, n.° 3, a atribuição de efeitos retroactivos às leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, tal é extrapolável para os direitos assegurados pelo artigo 106.° (").

Ainda em relação a este princípio escreveu o Dr. José Casalta Nabais:

Este princípio não dispõe entre nós (de resto como acontece, ao que sabemos, lá fora) de uma consagração constitucional directa como acontece com o princípio da não retroactividade das leis penais desfavoráveis (artigo 29.°, n." 1-4) e com o princípio da não retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 18.°, n.° 3). Igualmente um tal princípio não pode retirar-se indirectamente, quer da proibição de leis retroactivas restritivas de direitos, liberdades e garantias, uma vez que os impostos, ao menos em geral, não devem ser vistos como restrições de direitos (nomeadamente do direito de propriedade), mas sim como a concretização de limites imanentes desses direitos decorrentes do dever fundamental de pagar impostos (pressuposto de

(,3) «A revisão da constituição económica», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, 1982, pp. 629 e 630.

(l0) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' ed. revista, p. 460.

(") Projecto de Revisão Constitucional, p. 90. (I8) «A inconstitucionalidade do imposto complementar», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. íotm, p. 397.

(") Direito Fiscal, 7." ed., Almedina, Coimbra. 1993, p. 154.

qualquer Estado fiscal), quer do princípio da legalidade fiscal. Esta ideia está de resto consignada em diversos acórdãos que o Tribunal Constitucional já proferiu sobre impostos retroactivos (máxime, nos Acórdãos n.™ 11/83 e 141/85), impostos estes que têm sido testados com base exclusivamente no princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático (*).

Importa, agora, fixar a posição que o Tribunal Constitucional vem assumindo nesta matéria.

Assim, no Acórdão n.° 11/83, de 12 de Outubro de 1983, o Tribunal não considerou inconstitucionais as normas do decreto da Assembleia da República que criou retroactivamente um imposto extraordinário sobre rendimentos.

Igualmente, no Acórdão n.° 141/85, de 25 de Julho de 1985, também não considerou inconstitucional o artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119/83, de 28 de Fevereiro, que criou um imposto extraordinário sobre lucros realizados em 1982.

A orientação do Tribunal Constitucional nestes acórdãos, que já vinha, aliás, da Comissão Constitucional, foi no sentido de que em tais casos não se estava perante uma retroactividade intolerável que ofendesse de forma arbitrária e não consentida os direitos e expectativas legítimos dos cidadãos contribuintes.

Escreveu-se no Acórdão n.° 11/83, relativo ao decreto n.° 32/IJJ, da Assembleia da República:

Da circunstância de a Constituição não consagrar, sequer implicitamente, um princípio genérico de proibição de leis fiscais retroactivas deverá então concluir-se pela constitucionalidade de toda e qualquer norma fiscal com aquele alcance? Decerto que não.

É que, se o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, não exclui em absoluto a possibilidade de leis fiscais retroactivas, exclui-a seguramente quando se esteja perante uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes.

Esta doutrina que entre nós já a Comissão Constitucional teve oportunidade de firmar em diversas ocasiões, mormente no parecer n.° 14/82, já citado, de que vale a pena transcrever os passos mais significativos.

Assim:

É o que desde logo se passa com o princípio do primado do Estado de direito democrático, consignado no preâmbulo da Constituição e que se precipita em muitas das suas normas. Um tal princípio garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica [...]. Daí não deriva o,ue toda a norma retroactiva deva reputar-se inconstitucional, mas só aquela que viola de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação [e também o direito] de depositar na ordem jurídica que as rege.

í20) Estudos sobre Jurisprudência do Parecer Tribunal Constitucional, p. 277.