O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

29 DE FEVEREIRO DE 1996

397

o racismo e a xenofobia, tomando como medidas a adoptar, entre outras, o agravamento das penas por crimes de móbil racista, a harmonização de legislações, incriminando, designadamente, o incitamento à discriminação, violência e ódio racial, a apologia de crimes contra a humanidade, a negação do holocausto, a difusão e a distribuição de escritos, imagens ou outros suportes que contenham ideias racistas ou xenófobas a constituição de associações que promovam ou incitem à discriminação racial ou xenófoba, a aproximação das práticas judiciais e administrativas entre os Estados membros e o aperfeiçoamento da cooperação internacional.

Neste contexto, interessante é sublinhar ser Portugal, de todos os Estados membros, talvez aquele que, sem embargo da reduzida dimensão do fenómeno entre nós, mais próximo se encontra, no plano legislativo, de obedecer ao projecto em análise no seio da União Europeia. Com efeito, tanto no que se refere à incriminação como à abertura procedimental relativa às exigências de cooperação interna e internacional, pouco será o que de novo cumpre prever ou alterar, sendo certo que, em alguns aspectos, dificilmente se acolherá a sugestão do projecto, nomeadamente no que se refere à incriminação da negação do holocausto, matéria a relevar, claramente, do plano cultural e prático, que não do domínio criminal em sentido estrito.

Todavia, é justamente no capítulo relativo à aproximação das práticas judiciais que o projecto da União convida os Estados a pôr em acção as medidas internas necessárias, para «reconhecer às organizações de luta contra o racismo um interesse directo para promover acções judiciais, civis ou penais, atribuindo-lhes legitimidade activa nos processos». E aqui, uma vez mais, Portugal surge bem situado quanto à possibilidade de acolher aquela injunção, diferentemente, por exemplo, do que ocorre em Estados membros como a Alemanha, o Reino Unido, a Dinamarca e o Luxemburgo, que, por limitações das regras aplicáveis a niVef nacional, se vêem forçados a apresentar reticências ou reserva de análise no ponto em questão.

Temos, assim, que, dos pontos de vista político e social, o projecto de lei em apreço colhe inequívoco fundamento, casando-se com o teor do projecto de acção comum em preparação no espaço da União Europeia, exactamente pela via do recurso à figura jurídica do assistente em processo penal, já tradicional entre nós, embora desconhecida dos ordenamentos jurídicos dos restantes Estados que integram a União.

3 — Na verdade, ao contrário daqueles que vêem na «intervenção dos particulares no processo penal um factor de perturbação», outros, como nós, consideram aquela intervenção, na expressão de Victor Fairen Quillen (Temas dei Ordenamiento Pròcesal, t. ti, p. 1217) como «uma excelente e democrática instituição». E se a figura do assistente em processo penal, quando coincide tipicamente com a pessoa do ofendido, nos pode parecer evidente numa relação de equilíbrio de valores processuais entre as posições do Estado, do delinquente e da vítima, já no caso em presença, quando o assistente intervém, originariamente, evt\ defesa de valores substanciais enquanto tais, independentemente da pessoa concreta do ofendido, a sua compreensão terá de buscar fundamento em planos extra-processuais, isto é, no mundo próprio dos significantes essenciais. É aqui, então, que a figura do assistente atinge a sua mais profunda dimensão democrática, exactamente quando o seu sentido de representação perde a dimensão

mais estreita do interesse e, por isso, do mandato de extensão jurídica, para adquirir a expressão mais larga do valor e, por isso, do mandato de expressão social e, em sentido lato, também político.

E essa tem sido, correctamente, a tendência do direito processual penal português. De facto, mesmo ainda quando à figura do assistente se fazia corresponder uma estreita ligação à pessoa do ofendido ou dos seus representantes, já a lei permitia que, nos processos relativos aos crimes de peculato, pleita, suborno, concussão e corrupção, qualquer pessoa pudesse constituir-se assistente (artigo 4.°, n.° 5, do Código de Processo Penal de 1929), o que levava, já então, também a que pudesse afirmar-se que a opção, «se bem que teoricamente pudesse basear-se em que nestes casos qualquer cidadão é particular e imediatamente ofendido pela infracção, traduz-se praticamente num alargamento do conceito de ofendido, justificado pelo desejo de uma colaboração de todos os particulares na detecção e processamento de tais infracções» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. i, p. 514).

Porém, foram o alargamento do conceito de cidadania e, sobretudo, a criação de efectivas condições para o seu exercício material e activo que conduziram a novas previsões, vindo a lei, sucessivamente, a abrir o campo de intervenção do assistente a áreas de interesses e de valores, como as relativas ao ambiente, ao património e ao consumo, através da extensão do «âmbito das entidades legitimadas para se constituírem assistentes relativamente a certos crimes» (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. i, p. 247). Surgem, então, a Lei n." 10/87, de 4 de Abril, permitindo a constituição de assistente às associações de defesa do ambiente; a Lei n.° 29/81, de 22 de Agosto, permitindo-o, agora, às associações de defesa do consumidor, e ainda a Lei n.° 61/91, de 13 de Agosto, esta, em perspectiva diferente, permitindo a constituição de assistente a associações de mulheres que prossigam fim de defesa e protecção de mulheres vítimas de crimes.

É, pois, nesta linha evolutiva que importa considerar a oportunidade do projecto de lei em apreciação, sendo certo, também aqui, que, à semelhança do que deixámos dito quanto ao fundamento social e políticp que o legitima, também no plano legislativo se não vê razão para não acolhê-lo.

4 — Menos afoitos somos já quando se trata de o apreciar no plano da formulação técnico-jurídica. E, aí, vários são os tipos de dúvidas que o projecto de lei não consegue deixar de suscitar. Desde logo, na própria formulação do preceito. Na verdade, não faz sentido a expressão final do texto proposto, quando se escreve «prestando ao Ministério Público colaboração, com a posição processual e todas as atribuições previstas na legislação penal». Com tal expressão ou se pretende atribuir natureza diferente à figura do assistente no caso em apreço —e, se assim é, não se vislumbra o diverso — ou apenas se pretende que ao assistente, agora recebido ex novo por força da lei em preparação, seja reconhecido o estatuto global de assistente, e este resulta da lei processual penal em vigor, que, obviamente, se aplica em toda a sua dimensão. De facto, o que ali se afirma não é mais do que aquilo que se prevê no artigo 69.° do Código de Processo Penal, sendo que a parte final do projecto não tem sequer conteúdo útil. Cremos, por isso, que seria interessante suprimir toda a expressão em análise.