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29 DE FEVEREIRO DE 1996

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Antes de entrar na análise dessa questão, convirá no entanto anotar àquilo que poderá ser uma redacção apressada do artigo 40.° do projecto, mas que nem por isso mesmo deixa de colocar algumas inquietações.

Efectivamente, o Grupo Parlamentar do PP afirma na proposta que a finalidade da aplicação das penas, mas também das medidas de segurança, tem como fundamento a culpa do agente.

No Código em vigor a segurança tem como fundamento a perigosidade do agente, e não, como é óbvio, a sua culpa.

Tal como refere o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português—As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 429), comentando Roxin, é na «sua mútua delimitação que se suscita a diferença essencial entre penas e medidas de segurança; na circunstância de ser pressuposto irrenunciável da aplicação de qualquer pena a estrita observância do princípio da culpa; princípio que não exerce papel de qualquer espécie no âmbito das medidas de segurança».

As referências à culpa relativamente às medidas de segurança apenas poderiam ter algum sentido relativamente aos imputáveis, partindo da ideia de culpa na formação da personalidade se subsistisse na lei penal um sistema dualista, isto é, a aplicação simultânea ao mesmo arguido de uma pena e de uma medida de segurança. O Código Penal abandonou, em 1982, o sistema dualista, pelo que, a menos que se queira retornar à possibilidade de aplicação ao mesmo arguido de pena de prisão e de medida de segurança privativa da liberdade, não faz qualquer sentido referir a culpa como fundamento da aplicação daquela medida.

Questão fundamental é a da «finalidade das penas».

O artigo 40.° do actual Código Penal estabelece que a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mais se estabelece nesse inciso que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

No projecto de lei em análise estabelece-se que a aplicação de penas tem por fundamento a culpa.

A pena é assim entendida como expiação.

Os proponentes apresentam-se, assim, como seguidores, em parte, das escolas clássica e neoclássica de direito penal, segundo as quais a política criminal assenta na trilogia:

Repressão e prevenção geral de intimidação; Repressão de todos os crimes; Punição (castigo) de todas as pessoas.

Pode, no entanto, dizer-se, face às soluções do projecto de (ei, que, a filosofia que o enforma é também tributária da doutrina dos just deserts, ligada ao chamado justice model (v. a este respeito Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 62 e 63).

Segundo estas concepções, as reacções criminais estão esvaziadas de qualquer finalidade de sinal positivo e tornam-se um preço a pagar pelo delinquente como compensação pela prática do crime. Esta doutrina defende a pena de prisão como a reacção criminal por excelência.

A querela sobre a finalidade das penas arrasta-se há séculos.

Para uns as reacções criminais correspondem a uma necessidade absoluta de afirmação, são uma pura exigência da justiça; para outros as reacções criminais visam a protecção de certos interesses.

Para aqueles, a reacção criminal deve consistir na aplicação de um mal equivalente ao mal praticado, como imposição de vários imperativos como os morais e os sociais. Estamos a referir-nos, portanto, àqueles que defendem a pena como expiação.

Para os últimos, aqueles que defendem as penas com um sentido utilitário, as reacções criminais visam intimidar a generalidade da população, com a ameaça da pena, e actuam sobre o delinquente com a imposição da sanção. Para estes as penas visam a prevenção geral e especial.

Restará saber qual a opção que veio a ser consagrada no actual artigo 40.° do Código Penal, o que é que propõem os signatários do projecto de lei, devendo ainda aferir-se da conformação da proposta com o texto constitucional, sendo certo — tal como o Prof. Eduardo Correia expende com detalhe nas suas «Lições de Direito Criminal» — que as teses absolutas e relativas na sua conformação pura não resolvem todos os problemas da finalidade das penas.

Na verdade, o puro sistema de retribuição, aquele que vê na pena o justo pagamento do crime cometido, não resolve os problemas da inimputabilidade e da imputabilidade diminuída, pelo que tal sistema se vê forçado a recorrer ao sistema da prevenção para criar, ao lado das penas, as medidas de segurança baseadas em juízos de perigosidade, num sistema dualista que faz aplicar ao mesmo delinquente imputável pela prática dos mesmos factos uma pena e uma medida de segurança.

O sistema puro de prevenção geral, baseado na intimidação da pena para prevenir o cometimento de novos crimes, tem de socorrer-se também da maior ou menor censurabilidade do agente, isto é, do sistema de retribuição, sob pena de as reacções criminais em concreto atingirem excessivo rigor, que acabam por desvalorizar a norma perante os cidadãos, por ser «construída à margem de ideias de justiça» (in Direito Criminal, Profs. Eduardo Correia e Figueiredo Dias).

O sistema puro de prevenção especial, conforme foi entendido pelos positivistas (que, negando o livre arbítrio, negaram a possibilidade de censura e, portanto, a possibilidade da pena como retribuição), tem de socorrer-se, para defesa da sociedade, das ideias de prevenção geral e, para prossecução de um programa político-criminal, de ideias de ressocialização do delinquente, relacionadas, portanto, com o princípio da culpa.

Neste aspecto a nossa tradição penal, após o início da codificação, foi a que resumidamente se enuncia.

O Código Penal de 1852, copiado do modelo francês, acolheu sobretudo ideias de prevenção geral.

A reforma de 1884 veio a estabelecer no artigo 27." do Código Penal que a responsabilidade criminal consiste na obrigação de reparar o dano causado na ordem moral da sociedade.

Nos termos do relatório que acompanhava a reforma, segundo comenta o Prof. Beleza dos Santos, a pena era simultaneamente um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração moral do delinquente, dando-se preferência, tal como consta do relatório, à ideia de castigo.Transcreve-se a este propósito, o Prof. Beleza dos Santos (Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.° 78, p. 89):

É claramente afirmado no relatório o princípio de que o justo castigo ocupa o primeiro plano na múltipla finalidade da pena, que ele é o ponto de partida, a base do sistema penal e representa a linha delimitadora do espaço onde podem realizar-se os outros fins, isto é, os preventivos [...]

A reforma de 1954 viria a consagrar que a pena depende da culpabilidade do delinquente, bem como da gravidade do facto, dos seus resultados, da intensidade do dolo ou