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II SÉRIE-A — NÚMERO 25

grau da culpa, dos motivos do crime e da personalidade do delinquente.

O Código Penal em vigor desde 1982 estabelece, no artigo 72.°, que a pena é determinada em função da culpa e das exigências de prevenção de futuros crimes.

O actual artigo 40.° veio explicitar, quanto à finalidade das penas, alguns princípios que decorrem da Constituição da República.

Na verdade, o artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República estabelece que a lei só pode restringir os direitos,, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Isto quer dizer que o direito penal:

1) Só pode intervir para protecção dos bens jurídicos, estando-lhe vedada a intervenção em defesa de regras morais;

2) É a ultima ratio da política criminal e a sua intervenção deve basear-se em estritos critérios de necessidade e subsidariedade.

Donde se conclui que as penas, com que se restringem direitos do cidadãos, só podem ter finalidades relativas e não absolutas de prevenção geral e especial.

A pena, aplicada para defesa de direitos ou interesses dos cidadãos atingidos pelo facto ilícito, não poderá exceder aquilo que é necessário para impedir o cometimento de novos crimes. Donde, não poder admitir-se face ao texto constitucional, que a pena tenha como finalidade absoluta a compensação da culpa. Ou seja: a pena-expiação ou a pena-talião foi varrida do direito penal português pelo artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República

Por outro lado, e ainda relativamente às finalidades relativas de prevenção geral e especial, precisamente porque o citado artigo 18.° da Constituição consagra o princípio da necessidade e da proporcionalidade na restrição dos direitos dos cidadãos,- a prevenção geral como finalidade das penas não pode ser uma prevenção geral negativa de intimidação, mas, como diz o Prof. Figueiredo Dias, «uma prevenção positiva, de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida».

Por outro lado, as penas não podem ser de tal forma que excedam o princípio da culpa também decorrente do texto constitucional

Com efeito, a necessária intervenção do princípio da culpa em direito penal, decorre da exigência incondicional de defesa da dignidade da pessoa humana que resulta dos artigos 1.°, 13.°. n.° 1, e 25.°, n.° 1, da Constituição da República.

Também as penas têm de respeitar o princípio da socialização que é inerente ao Estado de direito social configurado pela Constituição da República.

Estes princípios constitucionais mais reforçam a conclusão de que a pena expiação, puramente retributiva, e a prevenção especial absoluta, precisamente porque infringem aqueles princípios, têm de estar ausentes do nosso direito penal (neste sentido também José Gonçalves da Costa, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3°, 1? a 4.°, Abril a Dezembro de 1993).

Também com base nos preceitos e princípios referidos, molduras penais desmesuradas que excedam o estritamente

necessário à tutela penal dos bens jurídicos e que impeçam a ressocialização do delinquente não podem ter acolhimento face ao texto constitucional.

De tudo isto resulta também que a pena não pode exceder a medida da culpa. Isto é: a culpa fornece o limite máximo e inultrapassável da pena, mas não pode ser a culpa a fornecer a medida da pena para efeitos de prevenção geral nem pode a prevenção especial, por ter de obedecer ao princípio da socialização, ser frustrada pelo princípio da culpa expiação. O que quer dizer que, face ao actual artigo 40.° do Código Penal, que entendemos consagrar os princípios constitucionais atrás referidos, a culpa determina o máximo de pena que pode ser aplicada ao delinquente, mas este máximo, que funciona como limites à pena obtida através dos princípios de prevenção geral positiva e de prevenção especial socializadora, deve ser corrigido para menos se estes últimos princípios determinarem em concreto uma pena inferior, se for só essa a necessária para a tutela de bens jurídicos e para a ressocialização do delinquente.

III

Face ao que atrás se deixa dito podem tirar-se algumas conclusões relativamente às propostas do Grupo Parlamentar do PP.

De facto, pode concluir-se da proposta relativa ao artigo 40.° que os proponentes configuram a pena sobretudo como expiação. E, por isso mesmo, de acordo com o texto que propõem para o artigo 40.° é a culpa que determina a pena em concreto, admitindo correcções para mais, a pena assim obtida, se a prevenção geral e a prevenção especial assim o determinarem.

Mas, desta forma, a pena cumpre fins de prevenção geral de intimidação e não de prevenção geral positiva. Donde, o direito penal daí resultante corria o risco de entrar em desvalor perante a comunidade por poderem do mesmo resultar reacções criminais excessivas, que a comunidade viesse a configurar injustas.

Por outro lado, a culpa, fornecendo assim a pena em concreto, sem possibilidades de correcção quando desnecessária na medida em concreto, para a prevenção gerai e para a prevenção especial, inutilizaria, dada a estigmatização inevitavelmente decorrente da prisão, a ressocialização do delinquente, princípio que, como vimos, decorre do texto constitucional.

A proposta de alteração do artigo 40.° desrespeita, assim, os normativos constitucionais atrás referidos, por configurar uma intervenção do direito penal para além dos princípios da necessidade e da proporcionalidade; por configurar um princípio da culpa não decorrente da dignidade da pessoa humana mas de uma concepção retributiva e expiatória da pena.

Cremos poderem aplicar-se à proposta apresentada, que a «Nota justificativa» do projecto de lei ajuda a compreender, as objecções colocadas pelo Prof. Eduardo Correia na intervenção que produziu em 1982 no Centro de Estudos Judiciários à prioridade de uma certa prevenção geral, pois envolveria «a possibilidade de transformar o direito penal em direito de terror. Sublinhando a impossibilidade de fixar com precisão o quantum intimidativo 4e. tal prevenção, considerando que o seu próprio conceito viria a variar de ameaça psicológica — custos/benefícios» e sublinhando ainda que com tal direito penal vio/aria a dignidade humana, princípio constitucional positivado (artigo 1.°).