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II SÉRIE-A — NÚMERO 48
Posteriormente, algumas leis extravagantes foram alterando o regime das Ordenações até se atíngir uma fase de sistematização cuja saliência maior se circunscreve aos quatro volumes das «Primeiras linhas sobre o processo civil» (1810--1814) e respectivos apêndices (1828-1829), de Joaquim Pereira e Sousa.
Depois do regime liberal surgiu numerosa legislação avulsa em matéria de processo civil, designadamente «A Reforma Judiciária» — Decreto n.° 24, de 1832 —, que criou uma nova organização judiciária e simplificou alguns termos do processo. E a que se seguiu «A Nova Reforma Judiciária», em 1837, e a «Novíssima Reforma Judiciária», em 1841. Desse período é também o Código Comercial de Ferreira Borges, que continha, simultaneamente, disposições substantivas de carácter mercantil e de natureza adjectiva válida para o direito comercial. Foi, porém, o Código de Processo Civil de 1876 a primeira codificação sistemática do direito adjectivo civil português. Surgindo como imperiosa necessidade de resposta à publicação do Código Civil de Seabra de 1867, o novo Código representa já um progresso inquestionável, pela sua organizarão sistemática e pela clareza das suas soluções, em confronto com a multiplicidade e desarticulação legislativa até então vigentes.
O Código de 1876, que, obviamente, correspondia aos traços ideológicos e políticos dominantes, manteve e conservou um cariz de rígido formalismo e deu acolhimento a solenidades já à época desnecessárias. Tratava-se de uma codificação assente no carácter essencialmente escrito do processo, eivado de um cunho privatístico e duelístico, reduzindo o juiz a um papel essencialmente passivo e de mero árbitro das regras adjectivas. Para o Código de 1876, a forma dos actos era a essência do direito adjectivo, em detrimento do fundo e do mérito das questões. Com um pesado formalismo no processo ordinário, o Código de 1876 não admitia a forma de processo sumário para as causas de pequena importância, o que, aliás, já existira anteriormente.
Foi já com o advento do Estado Novo que a nova legislação adjectiva civil relevante veio a ser publicada. No caso, o Decreto n.° 12 353, de 22 de Setembro de 1926, que introduz profunda viragem nas concepções liberais vigentes nos séculos anteriores.
A partir de então, o princípio do dispositivo, que atribuía aos litigantes a iniciativa e a responsabilidade da acção e do seu desenvolvimento, deu lugar, em larga medida, à introdução do princípio do inquisitório, através do qual o papel do juiz passa a ser o de interventor activo, podendo indeferir in Umine a petição inicial, podendo inquirir ele próprio as testemunhas em vez dos advogados e podendo proferir despacho regulador onde conhecesse das nulidades, ilegitimidade e quaisquer questões que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa (Decreto n.° 12 353).
É neste contexto que vai surgir o famoso Código de Pro- . cesso Civil de 1939, de que foi incumbido, em 1933, o eminente processualista José Alberto dos Reis, que, aliás, já tivera papel destacado na elaboração do citado Decreto n.° 12 353.
Importará salientar que aos pressupostos do Código de 1939 subjazem as inevitáveis características de um Estado centralizador e interveniente, que caminhava a passos largos para uma ditadura. E, assim, ao individualismo liberal do Código de 1876, o legislador de 1939 integrou-se no espírito autoritário dominante na época.
Mas, verdade se diga, o Código de Alberto dos Reis traduziu-se na mais completa e profunda reforma do direito
adjectivo civil deste século. A verdade é que o Código de 1961, que lhe sucedeu, é-Ihe ainda fortemente tributário e grande parte das suas soluções têm a marca de José Alberto dos Reis. É com o Código de 1939 que se opta por um regime de oralidade, mitigado, embora, que acaba com a redução a escrito do depoimento das testemunhas, do mesmo modo que se sobreleva o princípio inquisitório e se institui o sistema de colaboração entre as partes e o tribunal, sem embargo da proeminência deste, atento o seu carácter publicístico. O juiz passou a ter um papel predominantemente activo e o princípio da oralidade, ao permitir a imediação e concentração processuais, tomou, à época, a justiça mais célere e mais correspondente ao fundo e ao mérito das questões.
Com o decurso dos anos e mercê das intensas críticas a um vasto conjunto de preceitos inscritos no Código de 1939, designadamente no concernente ao princípio da oralidade e contra a constituição e funcionamento de tribunais colectivos, veio a impor-se a necessidade de revisão daquele Código. Tarefa, aliás, de que inicialmente se incumbiria até ao seu decesso o Prof. Alberto dos Reis e que depois veio a ser continuada por uma comissão presidida pelo Ministro da Justiça de então, Antunes Varela, com a colaboração destacada dos conselheiros José Osório e Lopes Cardoso.
Do Código de 1961 bem se poderá dizer, com o Prof. Castro Mendes, que «não é, na realidade, mais que uma nova redacção do Código de 1939» (Direito Processual Civil, vol. í, p. 163).
Não obstante, a verdade é que o Código de 1961, que inicialmente visava tão só dar resposta às críticas mais fundadas e pertinentes, acabaria por vir a introduzir inúmeras alterações formais e substanciais, transformando-se quase num código novo.
No plano formal, o Código de 1961 deu uma nova sistemática estrutural ao conjunto das disposições legais e conceptualizou larga fatia dos preceitos de acordo com os tempos e os avanços da ciência do direito.
No Código de 1961, de forma breve, podem sintetizar-se importantes alterações no regime da acção em geral, guantò à competência e garantias da imparcialidade, quanto aos actos processuais, no tocante aos incidentes e no domínio das providências cautelares. Por outro lado, suprimiu-se a conciliação preliminar, criaram-se os articulados supervenientes como figura geral e modificou-se o regime de audiência preparatória. Fundiram-se em peça processual única o despacho saneador, a especificação e. o questionário. Foram ainda introduzidas inovações no direito probatório adjectivo e tentou-se corrigir os apontados defeitos de funcionamento dos tribunais colectivos. E como importante inovação, consagrou--se, em matéria de processo de declaração, a obrigatoriedade de fundamentação das respostas.
A verdade é que o Código de 1961, se pode ter correspondido às necessidades dos meados do século, está hoje largamente ultrapassado pelas realidades dos alvores de um novo século.
Apesar das inúmeras alterações, quer antes quer depois do 25 de Abril, e mesmo da reforma intercalar de 1985 (Decreto-Lei n.° 242/85) e mais tarde do Decreto-Lei n.° 177/ 86, a verdade é que o Código em vigor é no fundo, e na esteira do seu autor, Antunes Varela, «um vasto arquipélago de ilhas isoladas». Também o Prof. Lebre de Freitas refere que, no fundo, o «CPC de 1961 é ainda o de 1939» e adianta que «a evolução da sociedade portuguesa tomou caducos e ultrapassados os princípios e soluções fundamentais da actual codificação e é imperiosa a sua substituição por