620
II SÉRIE-A — NÚMERO 38
marcada por um interesse crescente pela sua actividade por parte do Estado e a sua consequente ingerência no funcionamento daquelas. Assim, não obstante as federações com estatuto de utilidade pública continuarem a ser organismos de natureza particular, elas devem ser previamente reconhecidas pelo Estado antes de poderem exercer a sua actividade. Tal reconhecimento pode passar pela adopção de estatutos tipo — tal como se passa em França, Espanha e Portugal —, o que pressupõe um controlo de gestão pelo poder público. Estando os limites das competências das federações, bem como as suas relações com o Estado, devidamente definidos, evita-se, dessa forma, o crescimento anárquico das federações, como acontece no Reino Unido, onde, perante uma ausência de legislação especial, se podem encontrar até 16 federações para uma modalidade desportiva.
No que se refere ao regime da disciplina, destacamos, em particular, a legislação espanhola, cujo regime geral do desporto, a Lei n.° 10/1990, de 15 de Outubro, atribui especial atenção às federações desportivas espanholas, como forrttas associativas de 2." grau, atribuindo-lhes funções públicas de carácter administrativo (preâmbulo da Lei n.° 10/1990, de 15 de Outubro). É nesta vertente que se sustentam as diferentes regras de tutela e controlo que o poder estatal pode exercer sobre as federações, tendo a Lei n.° 10/1990, cautelosa e criteriosamente, conferido poderes às federações, respeitando o princípio da auto--organização, na medida em que seja compatível com a fiscalização e protecção dos interesses públicos.
A lei espanhola do desporto dispõe, desde logo, no capítulo relativo às federações, que estas exercerão, sob a coordenação e tutela do Conselho Superior do Desporto, o poder disciplinar nos termos estabelecidos nessa lei, bem como em legislação regulamentadora. Os títulos vi» e ix da Lei n.° 10/1990 regulam muito minuciosamente as regras relativas ao «controlo das substâncias e métodos proibidos no desporto e segurança na actividade desportiva» e «à prevenção da violência nos espectáculos desportivos», respectivamente, prevendo todas as actividades proibidas e respectivas sanções.
Um acto legislativo posterior, o Real Decreto n.° 1835/ 1991, de 20 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas espanholas, remete o exercício do poder disciplinar para a mencionada lei do desporto.
Em França, o Decreto n.° 93-1059 veio impor um regulamento disciplinar tipo para as federações desportivas que «participam na execução de uma missão de serviço público», na sequência da legislação base do desporto, Lei n.° 84-610. de 16 de Julho de 1984. na qual já foram introduzidas diversas alterações (nomeadamente pelas Leis n.os 87-979, de 7 de Dezembro, e 92-652, de 13 de Julho). O capítulo li, sob a epígrafe «Federações desportivas», dispõe que «as federações têm poder disciplinar, nos termos dos princípios gerais de direito, relativamente a agrupamentos desportivos que nelas sejam filiados, fazendo respeitar as regras técnicas e deontológicas da respectiva disciplina». O capítulo x desse diploma regula a «segurança do equipamento e dos acontecimentos desportivos».
A Bélgica, por sua vez, apenas adoptou uma convenção, com data de 6 de Novembro de 1987, sobre a violência e tumultos em acontecimentos desportivos, nomeadamente em jogos de futebol.
Certo é que não nos foi possível encontrar no direito comparado regulamentação que vise exclusivamente acautelar situações de suborno e corrupção no desporto.
V — Apreciação
Destaca-se, desde logo, o facto de o artigo 21.° do Regime Jurídico das Federações Desportivas de Utilidade Pública, que, de acordo com a proposta de lei, se manterá em vigor, referir que as federações deverão elaborar regulamentos que contemplem «medidas de defesa da ética desportiva, designadamente nos domínios da prevenção e da punição da violência associada ao desporto», enquanto a proposta de lei apenas se reporta, no seu artigo I.°, a «regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo» e que são consideradas normas de defesa da ética desportiva as que visam sancionar a violência, a dopagem ou a corrupção
Ora, parece-nos que tal eliminação da «prevenção», enquanto objecto do diploma, não fará muito sentido, pois esta iniciativa legislativa inclui inúmeras medidas preventivas.
A presente proposta de lei, que pretende aprovar o regime disciplinar das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva, pode dividir-se em duas partes bem disüntas.
Uma parte —concretizada normativamente entre o artigo 1." e o artigo 6.° — que delimita os princípios gerais do regime disciplinar e que, nas suas linhas gerais, reitera as linhas estruturantes do artigo 22.°, ainda em vigor, do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 144/93, de 26 de Abril. Na verdade, e se bem que a proposta de lei, no seu artigo 13.°, expressamente revogue tal artigo, o certo é que os seus três números se convertem em três artigos da presente proposta de lei (os artigos 2.°, 3.°, salvo o n.° 2, e 6.°).
Uma segunda —situada entre o artigo 7.° e o artigo 12.°— que apenas atinge os árbitros ou juízes, os membros dos conselhos ou comissões de arbitragem e os titulares dos órgãos das respectivas associações de classe e em particular afecta as federações desportivas onde se realizem competições de natureza profissional e que se traduz numa particularização que não cabe, na nossa perspectiva, no âmbito de uma lei geral e abstracta.
A opção do legislador deveria ser outra, na linha, porventura, do consagrado no título ix da lei espanhola do desporto —Lei n.° 10/1990,.de 15 de Outubro—, ou, então, do que o legislador francês consagrou através do Decreto n.° 93-1059, de 3 de Setembro, c que se traduziu num regulamento disciplinar tipo para as federações desportivas que «participam na execução de uma missão de serviço público». Assim, e tendo em conta que o modelo desportivo português desenvolvido pela Lei de Bases do Sistema Desportivo e complementado, em especial, pelo Regime Jurídico das Federações Desportivas dotadas de utilidade pública desportiva, pela insútucuma-lização do Conselho Superior do Desporto e pelo novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas se assemelha, nas suas linhas âncora, ao dos dois modelos referendados, entendemos que a proposta de lei ora em apreciação deve ser objecto de uma profunda reformulação. Tal reformulação permitirá não só resolver algumas das questões que S. Ex.° o Presidente da Assembleia da República suscita, com toda a pertinência, no seu despacho de admissão, como também permite enquadrar, em sede de norma genérica e abstracta, algumas das situações que estão subjacentes à proposta do Governo, mas sem ferir, é bom sublinhar, a natureza privada — e logo a sua automonia constitucionalmente consagrada — das