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II SÉRIE-A - NÚMERO 3

das mulheres portuguesas que as levam à dramática decisão de pôr termo a gravidezes indesejadas.

O debate veio reafirmar que o agravamento das condições de vida e de trabalho impede às mulheres a realização do seu direito a uma maternidade feliz.

Ficou claro que a taxa de feminização da pobreza, o desemprego a estender-se até aos estratos sociais das mulheres licenciadas, a discriminação de que as mulheres são vítimas no acesso ao emprego condicionam a decisão das mulheres colocadas perante a revelação de que estão grávidas.

O debate veio recordar à juventude os resultados dramáticos das gravidezes adolescentes, a elevada taxa de maternidade adolescente existente no nosso país e as inevitáveis e indesejáveis consequências para o futuro das jovens, com o seu futuro profissional e familiar muitas vezes irremediavelmente comprometido.

O recente debate trouxe de novo para o limiar das consciências o grave problema de saúde pública resultante do flagelo do aborto clandestino.

Não é possível fingir e ignorar que o aborto clandestino é causa de morte materna, com especial incidência nas adolescentes.

Não é possível sossegar consciências à sombra da criminalização do aborto depois de se reafirmar de novo que o aborto clandestino é causa de graves mutilações, de infertilidades, de graves afecções físicas e psíquicas, depois de se saber que o aborto clandestino priva as mulheres do direito' a viver a sexualidade de uma forma harmoniosa.

O debate salientou que são as mulheres mais atingidas pela crise económica e social, as que não podem recorrer às clínicas portuguesas e estrangeiras, as mais atingidas no seu direito à saúde.

Mas salientou também que sobre todas se abate ó estigma da clandestinidade com todo o cortejo de consequências.

Ill — O direito penal como causa do flagelo do aborto inseguro

O debate veio reafirmar que nenhum sector da sociedade pode usar o direito penal para impor os seus próprios conceitos morais ou confessionais a toda a sociedade.

O debate recordou a ineficácia da lei na protecção da vida intra-uterina, dada a própria tolerância da sociedade e das instâncias formais de controlo (polícias e tribunais), sentindo a injustiça da criminalização e a intolerância da lei.

Perante a viva denúncia de que as verdadeiras penas que o Estado reserva às mulheres são não as penas de prisão mas o risco de morte, a morte, as mutilações físicas e psíquicas, o debate trouxe, pela voz da penalista Prof.3 Doutora Teresa Beleza, a acusação de que as mulheres são vítimas de tratamentos bárbaros, cruéis, desumanos e degradantes proibidos pelo artigo 25." da Constituição da República e por tratados e pactos internacionais a que Portugal se encontra vinculado.

E que, não protegendo a lei criminalizadora a vida intra-uterina, sc aplica mesmo à actual lei aquilo que foi afirmado pelos Professores Figueiredo Dias c Costa Andrade relativamente à criminalização, em geral, do aborto: redunda «num indesejável desserviço aos valores fundamentais da própria vida humana».

O debate trouxe, de novo, para a luz do dia a necessidade de substituir uma lei que atira as mulheres para a teia da clandestinidade e do risco, por uma lei, que, não obrigando ninguém a abortar, resolva os graves problemas de saúde pública com que se debate a sociedade portuguesa.

IV — A lei criminalizadora e os direitos fundamentais da mulher

O debate centrou-se em torno da mulher como pessoa humana, titular de direitos fundamentais, como o direito à vida e à integridade física, o direito à liberdade de consciência, o direito à liberdade e à segurança, à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, o direito a uma maternidade feliz, o direito à saúde.

Tal como o salientou a Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e População, realizada no Cairo em 1994 e a 4.° Conferência sobre a Situação Mundial da Mulher, realizada em Beijing em 1995, e o reafirma agora o Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, publicado já no corrente ano, os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens são direitos humanos, implicitamente contidos noutros direitos, como o direito à vida e à sobrevivência, à Uberdade e à segurança pessoal, à igualdade de tratamento, ao desenvolvimento e ao nível mais elevado possível de saúde.

Perante a ineficácia da lei criminalizadora e a constatação de que a Constituição não contém imposições absolutas de criminalização, pergunta-se se, mesmo assim, ainda haverá razões válidas para restringir direitos fundamentais da mulher, que é uma pessoa humana.

V — A lei penal e a vida intra-uterina

O debate veio recordar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente a do acórdão de 1985:

A vida intra-uterina não é constitucionalmente irrelevante ou indiferente, sendo antes um bem constitucionalmente protegido, compartilhando da protecção conferida em geral à vida humana enquanto bem constitucional objectivo (Constituição, artigo 24.°, n.° 1). Todavia, só as pessoas podem ser titulares de direitos fundamentais —pois não há direitos fundamentais sem sujeito —, pelo que o regime constitucional de protecção especial do direito à vida, como um dos direitos, liberdades e garantias pessoais, não vale directamente e de pleno para a vida intra-uterina e para os nascituros.

E esquecem também, tal como se diz no referido acórdão, que «qualquer que seja a sua natureza, seja qual for o momento em que a vida principia, a verdade é que o feto (ainda) não é uma pessoa, um homem, não podendo, por isso, ser directamente titular de direitos fundamentais enquanto tais. A protecção que é devida ao direito de cada homem à sua vida não é aplicável directamente, nem no mesmo plano, à vida pré-natal, intra-uterina.»

Omitem também que, de acordo com a referida decisão do Tribunal Constitucional," «enquanto bem constitucionalmente protegido, também a vida intra-uterina reclama, portanto, a protecção do Estado. Todavia, entre afirmar isso e sustentar que essa protecção tem de revestir, por força da Constituição, natureza penal, mesmo contra a mulher grávida (que em si aloja e sustenta o feto), vai uma enorme distância, não podendo, por isso, partir-se do princípio de que a ausência de protecção penal equivale, pura e simplesmente, a desamparo e desprotecção.»

A lei penal é claramente impotente para amparar e proteger a vida intra-uterina. São as medidas sociais, as me-