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II SÉRIE-A — NÚMERO 29

de 1991 a 1996, um total de 4920 casos de mulheres assistidas por complicações de aborto, o que indicia uma clara redução destas situações.

Também essa análise, a partir dos dados dos GDH (IGIF), deve ser feita com alguma reserva. Não se pode, de todo, concluir que apenas aqueles casos codificados como «aborto ilegal» o foram na realidade. Todos sabemos que, mesmo quando referido pela mulher, na generalidade dos casos, os médicos guardam sigilo quanto à etiologia do aborto clandestino e não o registam como tal. Assim, não será descabido afirmar-se que uma parte significativa dos casos codificados como abortos com complicações (retidos, espontâneos ou não especificados) referem-se, verdadeiramente, às complicações de aborto ilegal. Podemos, numa mera tentativa de aproximação da realidade, efectuar algumas extrapolações. Por exemplo, em 1995 foram codificados 6597 casos como «aborto com complicações» e 1278 como «aborto sem complicações»; sabemos que os abortos espontâneos só raramente acarretam complicações (o mesmo sucedendo com as interrupções voluntárias da gravidez em meio hospitalar); assim, poderemos supor que em pelo menos 5000 casos tratou-se deo complicações"^3e aborto ilegal, não codificado como tal.

Por outro lado, se considerarmos o estudo «IVG em Portugal. Estimativa de incidência na rede médi-cos-sentinela» (DGS), onde, apesar de não distinguir entre abortos provocados ou espontâneos, encontramos para o ano de 1991 uma incidência de 23,7% de interrupção voluntária da gravidez com complicações.

Se relacionarmos esta percentagem de complicações com os 5000 casos codificados pelos GDH poderemos chegar, grosseiramente, ao número de 20 000 a 22 000 abortos/ano, valor que coincide com o estimado pela OMS, de 0,2 TVG/1 nado-vivo e que é substancialmente inferior àquela admitida como provável em 1976.

Uo estudo dos médicos-sentinela há ainda a salientar que, quanto a escolaridade, ela não era muito elevada para a maior parte das mulheres que recorreram a interrupções voluntárias da gravidez e que essas mulheres eram, na maioria, trabalhadoras activas. Embora aqui também tenha havido uma redução das notificações de casos de aborto nos últimos anos do estudo, verificou-se um aumento relativo de casos onde a situação «estudante» é referida, que passou de 3,8% em 1991 para 16,4% em 1995. De registar que nos últimos dois anos em estudo foram notificados casos de interrupções voluntárias da gravidez em jovens com idade inferior a 15 anos, sendo um caso em 1994 e dois casos em 1995. A idade mínima registada foi de 13 anos. Este facto chama a atenção para a necessidade de um maior investimento na educação sexual dos jovens e para a importância de se continuar a incentivar as actividades de planeamento familiar.

Nos últimos anos tem havido progressos significativos na área da medicina materno-fetal, em particular no diagnóstico pré-natal (DPN). Este aspecto é relevante quando pretendemos conhecer em que medida a Lei n.° 6/84 tem vindo a ser cumprida, pois parte significativa das interrupções voluntárias

da gravidez despenalizadas no quadro legal são efectuadas por patologia fetal.

De acordo com um inquérito efectuado em 1995 pela DGS aos serviços de obstetrícia e de genética dos hospitais/maternidades, o número de exames de diagnóstico pré-natal (DPN) realizados, embora se trate de dados incompletos, tem vindo a aumentar (2757 em 1992; 3308 em 1993; 3107 até Setembro de 1994). Por outro lado, tem-se mantido, nestes anos, em 4%-5% a percentagem média de interrupções voluntárias da gravidez no seguimento de DPN desfavorável.

Por outro lado, se analisarmos os dois inquéritos efectuados pela DGS aos serviços de obstetrícia das maternidades/hospitais em 1994 e 1996, e apesar de terem sido utilizadas metodologias não comparáveis para a recolha dos diferentes elementos em cada inquérito e de tratar-se de dados incompletos, uma vez que nem todos os serviços responderam ao questionário no todo ou em parte e as respostas não corresponderem aos mesmos períodos de tempo, parece-nos ser possível retirar algumas ilações, que talvez não se afastem muito da realidade dos factos.

Assim, verifica-se não só que mais instituições referiram a prática de interrupções voluntárias da gravidez, assim como o número de interrupções voluntárias da gravidez efectuadas no cumprimento da lei tem aumentado. Grosseiramente, para o período de 1984-1994 foram referidas 696 interrupções voluntárias da gravidez e para o período de 1984--1996 1566 interrupções voluntárias da gravidez, ou seja, em três anos foram realizadas mais interrupções voluntárias da gravidez que em todos os anos anteriores.

Estes números aproximam-se daqueles fornecidos pelos GDH, que referem como «abortos legais» 227 (1993), 295 (1994) e 268 (1995).

2 — No plano institucional e legal, o ano de 1997 foi marcado por dois factos que relevam para o objecto do presente relatório:

A revisão constitucional (que culminou com a publicação da Lei Constitucional-n.° 1/97, de 20 de Setembro);

A aprovação da Lei n.° 90/97, de 30 de Julho, que veio introduzir alterações ao quadro em vigor em matéria de aborto.

a) No âmbito da revisão constitucional, a Assembleia da República:

Rejeitou uma proposta do PP tendente a dar ao artigo 24.° da Constituição a seguinte redacção:

A vida humana é inviolável desde o momento da concepção.

Reformulou o artigo 67.°, n.° 2, alínea d), da Constituição, nos termos do qual constitui incumbência do Estado para protecção da família:

Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.