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5 DE FEVEREIRO DE 1998

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O preceito alterado pela revisão constitucional de 1997 tinha anteriormente a seguinte redacção: .

Promover, pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente.

As opções tomadas no âmbito da revisão constitucional de 1997 deixaram premeditadamente imprejudicado o quadro no qual há que emitir juízos sobre a constitucionalidade de iniciativas legislativas tendentes a regular o regime de exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez.

b) A Lei n.° 90/97. — Não existem ainda dados sobre o efectivo impacte social da Lei n.° 90/97 e a sua divulgação é manifestamente escassa, como bem parece comprovar o facto de em recentes inquéritos de opinião não poucas respostas assumirem como-ainda vigente um quadro legal entretanto já alterado.

Ò diploma elaborado na sequência da aprovação do projecto de lei n.° 235/VIJ, do Deputado Strecht Monteiro:

Alargou de 12 para 16 semanas o prazo dentro do qual é excluída a ilicitude da interrupção de gravidez resultante de crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual da mulher;

Ampliou de 16 para as 24 semanas de gravidez o prazo dentro do qual é admissível a interrupção da gravidez quando houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita;

Explicitou que a existência de tais situações de doença ou malformação deve ser comprovada ecograficamente ou por outro meio adequado segundo as leges artis da medicina;

Clarificou que em situações de inviabilidade do feto a interrupção pode ser praticada a todo o tempo.

Por outro lado, a lei (artigo 2.°) vinculou o Governo a adoptar «providências organizativas e regulamentares tendentes a garantir a boa execução da legislação vigente, designadamente por forma a assegurar que do exercício do direito de objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde não resulte inviabilidade de cumprimento de prazos legais lesando as mulheres».

3—.Nesta perspectiva, o Despacho n.° 9108/97 da Ministra da Saúde (Diário da República, 2." série, n.° 237, de IS de Outubro de 1997), ao regular a aplicação das técnicas de biologia molecular no âmbito do diagnóstico pré-natal, pretendeu assegurar que o aumento da capacidade de detecção seja acompanhado de aumento da possibilidade de actuação terapêutica, adoptando, para esse efeito específico, uma via de contratualização, e não de imposição regulamentar. A mesma via pode ser adoptada no âmbito da reorganização dos serviços de saúde para, através das «agências de contratualização» já criadas nas regiões de saúde, explicitar em futuros orçamentos-programa opções que dêem prioridade ao cumprimento desse e dos demais aspectos do quadro legal.

Como quer que seja, de momento não há indicações de que tenham sido superadas as disfunções que o anterior relatório da l." Comissão apontou ao examinar a situação dos serviços de saúde.

Assim, embora a lei determine inequivocamente que os serviços de saúde devem organizar-se «de forma adequada» para facultar o que ela permite:

Em diversos hospitais centrais e distritais subsistem situações de sistemática não aplicação da lei por directivas de directores de serviços (independentemente da objecção de consciência dos médicos em serviço), procedimento difuso cuja erradicação ainda não ocorreu, apesar de frequentemente referido à hierarquia da administração da saúde e mencionado na imprensa (cf., por último, Diário da Notícias, de 3 de Fevereiro de 1998, página 20, «Dez mil internadas por aborto», último parágrafo);

Continua a haver quem entenda que o Governo não regulamentou ainda a definição do que seja, para os efeitos do Código Penal, um «estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido» e há quem invoque dúvidas sobre o procedimento a seguir face a todos os casos de «abortamentos consentidos» surgidos nos hospitais;

A malha de estruturas existente, pelo mero jogo «natural» da burocracia, continua a responder mal a situações complexas de conflito entre o direito de objecção e o aborto legal, devolvendo de patamar em patamar o dirimir do conflito e gerando uma parecerística em espiral;

Por défice de coordenação inter-hospitalar continua a haver situações em que se torna inexequível a prática atempada de actos de interrupção autorizados pela lei;

Mantém-se insuficiente o aconselhamento propiciado pelo sistema.

A alteração do quadro assim traçado passa, sem dúvida, pelo cumprimento das disposições legais sucessivamente aprovadas e, em 1997, reiteradas pela AR.

Questão é saber se, além disso, se justifica ampliar o elenco das situações de exclusão de ilicitude do aborto, como entendem os Deputados que desencadearam o processo legislativo em curso.

III — As propostas cm debate

1 — Síntese geral

Com fundamentações e opções distintas, encontram-se pendentes e aguardando apreciação e votação três iniciativas tendentes a reformular o quadro aplicável em matéria de exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez: o projecto de lei n.° 417/VTJ, do PCP, o projecto de lèi n.° 451/ VII, do PS, e o projecto de lei n.° 453/VTJ, subscrito pelos Deputados António Braga e Eurico de Figueiredo, do PS.

As iniciativas apresentam como ponto comum o facto de optarem por soluções que visam aumentar o grau de despenalização do aborto no ordenamento jurídico português.

Parte-se do princípio de que a protecção da vida intra--uterina não é adequadamente assegurada pelos meios de direito penal vigentes — como parecem comprovar décadas de ineficácia do quadro legal que os prevê. Não se trata, assim, de renunciar à protecção constitucionalmente devida, mas de optar, para a conseguir, por outros instrumentos jurídicos, investindo significativos meios e esforços do Estado na criação de condições que propiciem e assegurem a decisão responsável da mulher.