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II SÉRIE-A — NÚMERO 44
utilizadores que deveria estar mais protegida pela função
social das telecomunicações».
Ainda de acordo com aquele entendimento, a taxa de
activação acarreta «graves consequências para a população
utente do serviço telefónico. Trata-se, em certo sentido, de uma tripla tarifação, uma vez que à assinatura mensal para garantia do serviço e ao pagamento por um impulso do preço de um tempo de comunicação que utilizam ou não a totalidade vem agora juntar-se a taxa de activação sem que sequer tenha sido introduzida a tarifação ao segundo [...]».
12 — O projecto de lei nº 511/VII é composto por um articulado de cinco artigos, cujo âmbito de aplicação se encontra definido logo no seu artigo 1.°
De acordo com este, a presente lei aplicar-se-á à prestação de serviço fixo de telefone pela entidade concessionária do serviço universal de telecomunicações, nos termos definidos pela Lei n.° 91/97, de 1 de Agosto, e pelo Decfeto--Lei n.° 40/951, de 15 de Fevereiro.
No artigo 2.° do referido projecto estabelece-se a definição de comunicação telefónica, de serviço fixo de telefone e de utente.
O conceito de serviço ixo de telefone foi retirado da alínea í) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.° 40/95, de 15 de Fevereiro, e do n.° 3, alínea q), da aludida convenção. Já o conceito de utente não corresponde ao previsto na alínea q) do mesmo diploma legal, sendo, no entanto, coincidente com a alínea ab) do n.° 3 da mesma convenção.
A essência do projecto reside nos seus artigos 3.° e 4.°, por força dos quais se proíbe a cobrança de taxas suplementares e se impõe a reposição de verbas indevidamente cobradas através do abatimento na factura subsequente ao período em que ocorreu a violação.
Pretendem desta forma os subscritores desta iniciativa proibir a existência do impulso de activação nas chamadas telefónicas, constante na convenção e no novo sistema tarifário para 1998.
VII — A questão da constitucionalidade do projecto de lei n.° 511/VII
13 — Foram precisamente os artigos 3o e 4.° que suscitaram reservas e dúvidas de constitucionalidade a S. Ex,° o Presidente da Assembleia da República, as quais se encontram plasmadas no despacho n.° 131 de admissão do projecto de lei n.° 511/VII.
Nesse douto despacho identificam-se as quatro premissas de que se parte para fundamentar as reservas e dúvidas suscitadas:
. 1) Os preços do serviços fixo telefónico são fixados ao abrigo de uma convenção celebrada entre a Portugal Telecom e o Estado, para o efeito representado por membros do Executivo;
2) A. convenção sobre os preços para o triénio que decorre foi ratificada pelos ministros da tutela;
3) Os preços fixados — nomeadamente no que dizem respeito à activação da chamada — respeitam essa convenção;
4) A Portugal Telecom é uma entidade de capitais maioritariamente privados.
Entende o Presidente da Assembleia da República que «o projecto de lei em análise incorre no vício de alterar ex vi legis um contrato celebrado entre o Executivo e um concessionário de capitais maioritariamente privados, bem como actos administrativos praticados em execução do mesmo contraio, com violação do princípio da separação de poderes (artigos 2.° e 111.°, n.° 1, da Constituição)».
Refere ainda o Presidente da Assembleia da República que não se encontra afastada a «hipótese de o projecto de lei em apreço representar uma intervenção do Estado na gestão de uma empresa privada a título não transitório, sem cobertura de lei de aplicação genérica e sem intervenção do poder judicial (n.° 2 do artigo 86.° da Constituição)».
14 — Acresce que o projecto de lei do PCP não pretende
pôr em causa, com eficácia projectada em fumos novos contratos, o quadro legal que preside hoje à fixação de tarifas telefónicas. Nem esse quadro foi sujeito, na altura própria, a
apreciação parlamentar, nem o é agora pela forma própria.
O projecto põe em crise, sim, directa e imediatamente — por aditamento de uma proibição —, um acto administrativo legalmente praticado ao abrigo da convenção e do contrato em vigor.
Na verdade, através do presente projecto os seus subscritores pretendem que o poder legislativo passe a proibir a implementação de um sistema de preços já devidamente convencionado entre o Governo e a entidade concessionária do serviço público de telecomunicações.
Consubstanciando a referida convenção, tal como, aliás, o respectivo contrato de concessão, um contrato celebrado no domínio da actividade de gestão pública da Administração, coloca-se o problema de saber até que ponto o projecto de lei em apreço não viola o princípio da separação e independência de poderes, à luz do disposto no artigo 111.º, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual «os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição»..
Para Vital Moreira e Gomes Canotilho, a definição do princípio constitucional da separação e interdependência através de critérios orgânicos e funcionais — cada função básica é atribuída a um órgão ou titular principal — é importante para a compreensão da teoria do núcleo essencial, nos termos da qual a nenhum órgão de soberania podem ser reconhecidas funções das quais resulte o esvaziamento das funções materiais específicas atribuídas, a título principal, a outro órgão de soberania.
Para estes autores «o sentido útil do princípio da separação de poderes, como princípio normativo autónomo dotado de um irredutível núcleo essencial, será o de servir de fundamento à declaração de inconstitucionalidade de qualquer acto que ponha em causa o sistema de competências, legitimação, responsabilidade e controlo consagrado no texto constitucional».
Deste modo, a inconstitucionalidade do projecto de lei em apreço será inquestionável, desde que se aceite, como aceitam estes autores, a existência de uma reserva, geral de administração a favor do Governo ou, pelo menos, de reservas parcelares em certos domínios de actuação.
De facto, dificilmente se pode admitir que o Parlamento se arrogue o poder de unilateralmente alterar o contrato de concessão do serviço público de telecomunicações ou outros instrumentos contratuais de natureza administrativa celebrados entre o Governo e a respectiva entidade concessionária (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.º ed, Coimbra, 1993, pp. 497-498).
É que, nestas circunstâncias, a intervenção do Parlamento, para além de se imiscuir no domínio funcional próprio do Governo, interfere com direitos subjectivos constituídos a favor de terceiros, pondo em crise a confiança que aqueles legitimamente adquiriram por força dos contratos celebrados.
Acresce que, ao proceder a uma alteração unilateral dos referidos contratos, a Assembleia da República coloca a entidade concessionária em condições de exigir do Estado a reposição do respectivo equilíbrio financeiro, criando por esta via encargos não previstos e não orçamentados, com violação das correspondentes regras constitucionais (artigo 167.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa).
15 — Os critérios de delimitação da fronteira entre a competência administrativa do Governo e a competência legislativa da Assembleia foram igualmente evidenciados por Marcelo Rebelo de Sousa, o qual refere claramente que «[...] a assunção pela Assembleia da República de competência administrativa esvaziaria de sentido uma zona relevante do conteúdo da responsabilidade política do Governo perante ela, responsabilidade essa que também engloba a actuação governamental na direcção, superintendência e tutela da Administração Pública.