1278
II SÉRIE-A —NÚMERO 59
assento e que, no local onde foram inseridas, estarão viciadas de inconstitucionalidade orgânica.
2 — A grande inovação da LOTJ em vigor foi, indiscutivelmente, a criação, na orgânica dos tribunais judiciais de l." instância, dos tribunais de'círculo, fora das comarcas de Lisboa e Porto, destinados a preparar e a julgar as causas de natureza cível e criminal mais importantes.
A experiência decorrida comprova que, tratando-se de uma boa intenção, não se atingiram os objectivos pretendidos. Aliás, a partir do início de vigência da LOTJ, por deficiente e obscura repartição da competência material entre os novos tribunais e os tribunais de comarca, assistiu-se a
um impressionante avolumar de conflitos negativos, que paralisaram centenas de processos e que ocuparam, meses a fio, os tribunais superiores, chamados a dirimi-los. Por outro lado, as pressões, cada vez mais intensas, vindas das comarcas onde não ficaram sediados tribunais de círculo fizeram com que a estabilidade desses tribunais se desvanecesse, ao erigir-se como regra, pelo Decreto-Lei n.° 312/ 93, de 15 de Setembro, o que até aí era excepção: a deslocação do tribunal de círculo à comarca respectiva, para realização da audiência de discussão e julgamento. No fundo, e há anos, vive-se a situação anómala de uma divisão espacial dos actos de processo, até certa fase a decorrerem no tribunal de círculo e na fase final fora da sua sede.
Esta situação bizarra, conjugada com a circunstância de, escoados mais de sete anos — o período que decorreu entre a entrada em vigor da LOTJ e o início de funções do actual Governo —, dos 56 tribunais de círculo criados terem ficado por instalar 23, conduziu à convivência de um sistema híbrido de tribunais de círculo e de julgamento em tribunal colectivo nos moldes tradicionais, com preparação dos processos nos tribunais de comarca.
Não colhe o argumento aduzido de que os tribunais de círculo, genericamente, têm o serviço em ordem e neles os processos se tramitam com razoável celeridade. É que o volume de serviço desses tribunais, com raras excepções, é dos mais baixos, no cotejo com os restantes tribunais de 1.* instância, assistindo-se a um preocupante desequilíbrio entre aqueles e os tribunais de comarca, em que os juízes, por mais denodado que seja o seu esforço, não conseguem evitar o acréscimo de pendências processuais. As estatísticas demonstram que os processos nos tribunais de círculo ficam muito aquém da pretendida contingentação, não sendo conveniente fomentar a entrada nesses tribunais de maior número de processos, o que significaria o alargamento da sua área de competência, ou seja, o maior afastamento entre as comarcas a integrar no território do círculo e a sua sede.
A explosão judiciária que se verifica não permite que se pague o preço da existência de alguns tribunais sobredotados de magistrados e de funcionários em contraste com largas dezenas de tribunais com atrasos de anos, à míngua de suficientes meios humanos. Uma política de gestão racional dos recursos e até de uma justa e equitativa divisão de trabalho reforça a convicção de que os tribunais de círculo devem extínguir-se, como se extinguem.
Dá-se corpo, de resto, ao que unanimemente foi representado ao Ministério da Justiça pelo Conselho Superior da Magistratura, escassos dias após a entrada em funções do Xin Governo, e que tem sido veemente solicitação de advogados e. de autarcas.
3 — Matriz inspiradora que se acolhe, a da reabilitação dos tribunais de comarca como células base do tecido judiciário da I." instância, com o retomo ao funcionamento dos tribunais colectivos sob a presidência de um juiz de círculo, competente para dirigir as audiências e para profe-
rir as decisões finais. Neste domínio, e no propósito de
libertar o maior número de juízes dos tribunais de comarca da intervenção, como adjuntos, nos julgamentos de tribunal colectivo, institui-se, pela primeira vez, a «dupla corregedoria», dando expressão a uma aspiração de largas décadas, a que aludia já o velho Estatuto Judiciário.
Assim, os tribunais colectivos, em circunstâncias normais, serão constituídos por dois juízes de círculo, com presidência rotativa, cabendo naturalmente as funções de segundo adjunto do órgão colegial ao juiz do processo. Com um proveito adicional, como recentemente foi sublinhado:
«No sistema da corregedoria, pelo menos dois dos três*
juízes que integram p colectivo possuem um bom conhecimento dos autos: o juiz do processo que o preparou e instruiu e o juiz presidente do colectivo que o estudou para julgamento, pois é ele que o vai decidir de direito.» (Cf. «Em defesa da extinção dos tribunais de círculo», in Boletim Informativo da Asspciação dos Juízes Portugueses, Dezembro de 1997, pp. 28 e segs.)
Aproveita-se para fazer coincidir inteiramente a intervenção do tribunal colectivo com a competência atribuída ao juiz presidente para elaborar as decisões finais, com o que se elimina, pela parcial revogação do artigo 791." do Código de Processo Civil, a possibilidade de intervenção do colectivo apenas para julgar a matéria de facto.
Em contrapartida, e fazendo eco de insistentes sugestões, revoga-se o n.° 2 do artigo 462.° do mesmo Código, com o que as acções de indemnização por acidente de viação passam a seguir a forma de processo ordinário quando o seu valor exceder a alçada dos tribunais de relação, eliminando-se a excepção à regra geral que consistia em que tais acções seguissem a forma do processo sumário, independentemente do valor. Nelas se julgam relevantes interesses, é reconhecida a dificuldade do apuramento da matéria de facto e a frequente dificuldade da aplicação do direito, em que o próprio recurso à equidade requer juízes experientes e de qualidade técnica acima da mediania.
4 — A actual LOTJ, rompendo com o sistema clássico anterior, pacificamente aceite, e sem'vantagem aparente, desligou os tribunais das várias modalidades de competência acolhidas na lei de processo, substituindo-as por «critérios de organização», em desvio dogmático que a doutrina da época não deixou de criticar.
Retomam-se as quatro espécies de competência, as da competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da competência territorial.
5 — Preenche-se, nas disposições gerais do capítulo i, pórtico do corpo de normas sobre os tribunais judiciais, a omissão da referência ao Ministério Público como órgão que constitucionalmente integra os tribunais..
Transferem-se para a proposta de LOTJ as normas de • nomeação de juízes do Supremo Tribunal de Justiça que têm tido assento no Estatuto dos Magistrados Judiciais, sabido que ao Supremo acedem não somente magistrados judiciais, mas. também magistrados do Ministério Público, retirada que está a nomeação de juízes para o mais alto tribunal do sistema normal de progressão na carreira privativo dos juízes.
6 — Sem preocupação exaustiva, seguindo, por comodidade, a topografia da proposta de lei, salientam-se as alterações mais importantes, depois das que se referiram:
6.1 —Regressa-se a sistema semelhante ao anterior a actual LOTJ, eliminando-se uma das três categorias de tribunais de 1° instância, a dos chamados «tribunais de ingresso».