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II SÉRIE-A — NÚMERO 19

Ora, o direito de interrogar as testemunhas de acusação

envoWe obviamente o direito de, através desse interrogatório, se contestar a credibilidade da testemunha. Impõe-se, portanto, criar um mecanismo que permita ultrapassar a limitação que representa para a defesa o anonimato de uma testemunha, ou seja, que permita controlar a autenticidade e a exactidão do depoimento ou a sinceridade da testemunha.

A recomendação menciona mesmo três eventualidades susceptíveis de abalar a credibilidade na testemunha: poder ser pouco fiável por razões subjectivas ligadas à sua personalidade deformada ou desequilibrada; poder ter tido ligações com o arguido no passado que interesse ter em conta, ou poder ser o autor ou o instrumento de um complot desleal contra o acusado.

O Conselho da Europa, através da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, foi, entretanto, assumindo uma posição que se veio a reflectir naquela Recomendação, no sentido da compatibilidade da existência de testemunhas anónimas com a salvaguarda dos direitos da defesa, tal como consagrados na Convenção Europeia, designadamente no seu artigo 6.°, desde que se rodeie a admissão dessas testemunhas de especiais cuidados. A análise da jurisprudência mais recente do Tribunal, nomeadamente nos casos «Doorson contra Países Baixos» (decisão de 26 de Maio de 19%) e «Van Mechelen e outros contra Países Baixos» (decisão de 23 de Abril de 1997), mostra-nos que o Tribunal, depois de analisar as pertinentes disposições do Código de Processo Penal holandês (reforma de 1994), considerou estar consagrado neste um mecanismo que conjuga o interesse da defesa com o anonimato da testemunha e que consiste na criação de um procedimento autónomo, da competência do juiz de instrução, no decurso do qual a identidade da testemunha não é revelada ao arguido e ao seu defensor, mas em que é dada a este a possibilidade de interrogar a testemunha.

Tendo em conta aquela jurisprudência e a própria legislação holandesa, a recomendação acaba por propor um mecanismo de verificação independente, capaz de se substituir leal e eficazmente ao acusado e ao seu advogado, a fim de ser feita luz sobre todas as circunstâncias que possam influenciar de modo sério a credibilidade da testemunha anónima.

Na presente proposta, a decisão de hão revelação de identidade da testemunha surge em processo separado, urgente e com natureza incidental. Optou-se por atribuir a respectiva competência sempre a um juiz de instrução, mesmo na fase de julgamento. Crê-se que assim se obviará, na prática, às dificuldades que poderiam resultar dos impedimentos dos juízes chamados a intervir no processo de não revelação de identidade na fase de julgamento.

Por outro lado, entendeu-se que a nomeação de um advogado para fazer valer os interesses do arguido, exclusivamente no processo complementar, seria a solução mais conveniente do ponto de vista da própria defesa. Na verdade, a relação de confiança que deve estabelecer-se entre o arguido e o seu defensor, no processo principal, dificilmente deixaria de ficar comprometida se se fornecesse a identidade da testemunha ao defensor, proibindo-se este de a revelar ao arguido.

Em alternativa, fazer intervir o defensor no processo principal, negando-se-lhe, porém, o acesso à identidade da testemunha, redundaria em prejuízo insuportável do contraditório que se deseja assegurar.

Ao contrário das outras medidas, o estabelecimento de um programa especial de segurança é da competência da autoridade administrativa. Incumbe ao Ministério da Justiça

a criação da comissão que elaborará o programa e assegurará a sua execução, por ser este o departamento chamado em primeira linha a fornecer as condições de funcionamento da justiça penal.

5 — Com as medidas destinadas às testemunhas especialmente vulneráveis procurou atender-se às dificuldades de obtenção de depoimentos de crianças, de idosos e de pessoas psicologicamente frágeis. Teve-se especialmente em vista a criminalidade cometida no seio da família, em que as crianças, as mulheres e os idosos são as principais vítimas.

Por definição, a família é uma área de privacidade em que a visibilidade dos crimes cometidos no seu seio, traduzidos geralmente em violências físicas e abusos sexuais, é muito reduzida pelo que se impõe adoptar medidas de protecção relativamente aos membros da família que colaborem na descoberta do crime, por forma a excluir o medo de represálias.

Cabe realçar, nomeadamente, a possibilidade de colocação, junto da testemunha «especialmente vulnerável», de pessoa em quem possa depositar confiança, que poderá facilitar a comunicação entre a testemunha e o tribunal. Em situações graves, a autoridade judiciária poderá desencadear um processo de afastamento da testemunha do ambiente inibitório em que esta se insere. Nomeadamente, se for o caso, deverá fornecer elementos ao ministério público competente que lhe permitam requerer a alteração ou inibição do poder paternal, a remoção das funções tutelares ou a aplicação de medidas não especificadas.

Diga-se, por último, que o efeito pode igualmente surgir no seio de grupos de natureza étnica fechada ou em ambientes também fechados, como são, designadamente, os estabelecimentos prisionais ou instituições de acolhimento de menores ou de idosos, em que não raras vezes se revelam situações de violência contra as pessoas carecidas da devida ' tutela jurídico-penal.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 197°, n.° 1, alínea d), da Constituição, o Governo apresenta à AssemWeia àa. República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I Disposições gerais

Artigo 1.° Objecto

1 — O presente diploma regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de considerável valor sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objecto do processo.

2 — As medidas a que se refere o número anterior podem abranger os familiares das testemunhas e outras pessoas que lhes sejam próximas.

3 — São também previstas medidas que se destinam a obter, nas melhores condições possíveis, depoimentos ou declarações de pessoas especialmente vulneráveis, nomeadamente em razão da idade, mesmo que se não verifique o perigo referido no n.° 1.

4 — As medidas previstas no presente diploma têm natureza excepcional e só podem ser aplicadas se, em concreto, se mostrarem necessárias e adequadas à protecção das pessoas e à realização das finalidades do processo.