0010 | II Série A - Número 006S | 03 de Dezembro de 1999
Assim, consagra-se um regime transitório aplicável a todas as igrejas e comunidades religiosas radicadas no País, bem como aos institutos de vida consagrada e outros institutos pelas mesmas fundados, e ainda às federações e associações em que se integrem. De acordo com o artigo 65.º, passa a ser-lhes permitido optar entre o regime actualmente aplicável à Igreja Católica e o regime previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 31.º (quota de 0,5% do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares).
Da redacção do artigo 65.º - "...poderão optar pelo regime previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro, enquanto vigorar..." - resulta que se impõe, no entanto, ao legislador, a necessidade de, a prazo, proceder à sua revogação.
Finalmente, e por imperativos de natureza orçamental, difere-se, todavia, no artigo 66.º, a entrada em vigor do novo regime de benefícios fiscais para o momento do início do ano económico seguinte ao da entrada em vigor da presente lei.
VI
Estatuto jurídico das igrejas e outras comunidades religiosas
O projecto prevê quatro situações possíveis, dependentes da realidade social e da vontade das pessoas.
Qualquer grupo de pessoas pode associar-se e reunir com fins religiosos [artigo 7.º, alínea f)], sem precisar de personalidade jurídica para usufruir dos direitos colectivos fundamentais de liberdade religiosa (artigos 21.º e 22.º). Esta é a primeira situação possível.
Todas as pessoas colectivas com fins religiosos não católicas têm actualmente o estatuto de associações civis e estão ou podem estar inscritas no registo correspondente do Ministério da Justiça. Têm todos os direitos colectivos de liberdade religiosa dos grupos de pessoas da primeira situação, e mais os que, por natureza, dependem para o seu exercício da personalidade jurídica. Não têm direito ao reconhecimento público, portanto automático, desses direitos, podendo ter de fazer prova do seu carácter religioso para os exercer perante terceiros. Continuará no futuro a existir esta possibilidade, aberta a comunidades ou associações de pessoas com fins religiosos, de adquirirem o estatuto de associações civis (artigo 43.º). As que o têm não o perderão, embora não possam mais estar inscritas senão no registo geral de pessoas colectivas, onde, aliás, estão também inscritas as pessoas colectivas da Igreja Católica (mais de 6 000), e para onde serão transferidos os processos de registo das associações inscritas no registo do Ministério da Justiça, que não se inscreveram como pessoas colectivas religiosas nos termos da nova lei (n.os 2 e 3 do artigo 64.º). É a segunda situação.
As igrejas e comunidades religiosas que demonstrarem a sua existência em Portugal, isto é, presença social organizada e prática religiosa no País, e ainda a sua doutrina, organização interna pessoal e patrimonial, poderão inscrever-se como pessoas colectivas religiosas e fazer inscrever os seus institutos ou organizações religiosas e federações (artigos 32.º a 35.º). Têm então direito ao reconhecimento público dos seus direitos colectivos de liberdade religiosa. É a terceira situação.
Finalmente as igrejas e comunidades religiosas inscritas que oferecem garantia de duração pelo número dos seus crentes e por terem mais de 30 anos de existência organizada no País - poderão ser menos se se tratar de igreja ou comunidade religiosa fundada há mais de 60 anos - serão consideradas radicadas no País (artigo 36.º). Esse estatuto possibilita certas formas de colaboração com o Estado que não são decorrência da liberdade religiosa, mas são compatíveis e até exigidas pela Constituição, em nome do princípio da igualdade, em face do regime jurídico da Igreja Católica. Trata-se da celebração de casamentos civis com forma religiosa (artigo 18.º), da colaboração em órgãos de consulta ou gestão do sector [Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas - artigo 24.º, n.º 3 - e Comissão da Liberdade Religiosa - artigo 55.º, n.º 1, alínea b)] -, da celebração de acordos com o Estado (artigo 44.º) e da atribuição de uma pequena parte (0,5%), por indicação dos próprios crentes, do imposto que estes pagam, calculada em função dos benefícios fiscais, que se pretendem igualizar, da Igreja Católica (artigo 31.º, n.os 3 e 4). É a quarta situação.
Adopta-se no entanto um regime transitório (artigo 67.º) tendo em conta a situação existente anteriormente ao 25 de Abril de 1974, em que a política na matéria, seguida pelo regime ditatorial, impedia em muitos casos a prática religiosa em liberdade por várias confissões religiosas.
Quais os efeitos da aplicação do sistema proposto às associações actualmente inscritas no registo do Ministério da Justiça ? Os elementos constantes do registo na maior parte dos casos nada dizem, porque não têm que dizer, da história da existência no País nem da realidade social subjacente a cada associação. Por outro lado, a aplicação dos novos estatutos jurídicos depende de actos futuros livres das associações e das comunidades. Presumindo que quem pode ter um estatuto pretenderá alcançá-lo, presunção que só vale tendencialmente - há comunidades religiosas que obtiveram o estatuto, fiscalmente mais vantajoso, de instituição particular de solidariedade social -, faltam estudos adequados da realidade e da história. Com base nas indicações dos próprios, em resposta às consultas da Comissão de Liberdade Religiosa, e nas publicações existentes, muito inadequadas ao objectivo, poderá aventurar-se o seguinte panorama. Das cerca de 460 associações inscritas haverá pouco mais de 60 que correspondem a igrejas ou comunidades religiosas diferenciadas, sendo as demais organizações de fim mais restrito ou de âmbito local, criadas pelas primeiras.
Releva-se especialmente o disposto no artigo 39.º: torna-se obrigatória a inscrição, passado um ano sobre a entrega do requerimento de inscrição, se entretanto não foi enviada notificação da recusa de inscrição por carta registada ao requerente. Adopta-se, assim, embora com prazo mais dilatado (um ano, em vez de seis meses), a solução da lei austríaca sobre a personalidade jurídica das comunidades confessionais religiosas de 1997, § 2.º, n.os 1 e 2, a qual assim responde a uma exigência de garantia dos direitos colectivos religiosos, firmada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional austríaco.
VII
Acordos entre pessoas colectivas religiosas e o Estado
O projecto prevê a possibilidade de, por iniciativa das igrejas, comunidades religiosas radicadas no País ou federações, serem celebrados com o Estado acordos que tenham por objecto matérias de interesse comum.
O processo de celebração dos acordos comportará as seguintes fases: apresentação de proposta, audição da Comissão da Liberdade Religiosa, nomeação de uma comissão negociadora, elaboração do projecto de acordo, aprovação em Conselho de Ministros e assinatura pelas partes, apresentação à Assembleia da República e aprovação mediante lei.