O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0178 | II Série A - Número 012 | 06 de Janeiro de 2000

 

Constituem uma página negativa da história recente de Portugal e deixaram marcas profundas naqueles que foram obrigados a regressar, fugindo da guerra e da devastação, abandonando tudo aquilo que possuíam com o único intuito de preservarem a sua vida e a das suas famílias.
Não seria certamente esta a história que os estetas da "descolonização exemplar" gostariam de ver plasmada nas páginas dos jornais e na memória dos homens. Mas é esta a verdade.
Com a revolução iniciada em 25 de Abril de 1974 pôs-se, com especial acuidade, a solução do problema ultramarino.
Em 27 de Julho foi publicada a Lei Constitucional n.º 7/74 que, reconhecendo aos povos dos territórios sob administração portuguesa o direito à autodeterminação, não especificou, contudo, a quem cabia o seu exercício. Assim sendo, havia que escolher ou o exercício desse direito cabia aos povos dos territórios, de acordo com o princípio internacionalmente aceite de que podiam livremente determinar o seu futuro e designar os seus representantes, ou a parte que reconhecia o direito criava as condições para o seu exercício, escolhendo a quem o mesmo deveria competir.
Ou seja, entre autodeterminação ou independência, hipóteses expressas nos dois termos da alternativa, Portugal escolheu claramente a independência, ao aceitar a negociação de acordos com os movimentos de libertação legitimados pela luta contra a administração portuguesa, mas não sufragados democraticamente.
A 26 de Agosto de 1974, entre a delegação do Governo português e o Comité Executivo de Luta do PAIGC, foi celebrado o Acordo de Argel (Diário do Governo, I Série, Suplemento ao n.º 202, de 20 de Agosto de 1974), onde se estabelece o reconhecimento da República da Guiné-Bissau e a garantia do acesso de Cabo Verde à independência.
A 7 de Setembro de 1974 a delegação do Estado português e a FRELIMO assinam o Acordo de Lusaka (DG, I Série, n.º 210, de 9 de Setembro de 1974), garantindo o Estado português a transferência progressiva dos poderes que detinha sobre o território de Moçambique para aquele movimento de libertação que, apesar de ser apenas isso, aceitou a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos por Portugal em nome de Moçambique. A FRELIMO afirmou-se igualmente disposta a prosseguir uma política de não discriminação em função da cor, a eliminação concertada de todas as sequelas do domínio colonial e a criação de uma verdadeira harmonia social.
No que respeita a São Tomé e Príncipe, a assinatura do Acordo de Argel (DG, I Série, de 17 de Dezembro de 1974) foi precedida de um acordo preliminar, assinado em Libreville em 3 de Outubro, no qual o Estado português, depois de ver terminantemente recusada, pelo MLSTP, a sugestão de uma consulta às populações de São Tomé e Príncipe, reconheceu aquele movimento como único e legítimo representante do povo de São Tomé e Príncipe.
O Acordo de Alvor, assinado entre o Estado português, a FNLA, o MPLA e a UNITA em 15 de Janeiro de 1975 (DG, I Série, Suplemento ao n.º 23, de 28 de Julho de 1975), comprometia expressamente o Estado português a transferir os bens ou o correspondente valor pertencentes a Angola e que se encontrassem fora do território do respectivo Estado; por sua vez, os movimentos de libertação comprometiam-se a respeitar os bens e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Angola.
Foi o único Acordo em que o Estado português demonstrou preocupação em assegurar que constasse um compromisso, por parte dos movimentos de libertação emergentes, de respeito pelos bens e interesses dos portugueses residentes no território.
Talvez por isso tenha sido o único que viria a ser suspenso, por declaração unilateral do Estado português (Decreto-Lei n.º 458-A/75, de 22 de Agosto), com a justificação de que havia sido objecto de frequentes violações por parte dos movimentos de libertação, desde a data da sua assinatura.
Tal atitude filia-se, aliás, na "política de estrita neutralidade activa" que o Estado português prosseguiu em Angola, conceito que todos sabemos no que se traduziu...
Cabe ainda um referência a Timor onde, não permitindo as circunstâncias políticas que se viviam depois do 25 de Abril de 1974 a fixação, por via de acordo, do processo e do calendário da descolonização, fixou-o o Governo através de um diploma constitucional (Lei n.º 7/75, de 17 de Julho) que integrava o novo Estatuto Orgânico de Timor. Embora se não possa considerar um acordo, aí se reafirma o respeito pelo direito do povo timorense à autodeterminação com todas as suas consequências, incluíndo a independência, bem como o princípio de que a soberania reside no povo, competindo a uma assembleia popular, a constituir por eleição directa, secreta e universal, a definição do futuro político de Timor.
Estes os contornos da descolonização "escrita" que Portugal quis e levou a efeito, e que logo deixou nos principais destinatários - os portugueses que residiam naqueles territórios - a suspeita de que se tratava mais de um processo de libertação de encargos do lado da soberania dominante do que de um processo de libertação de povos e de territórios de acordo com as resoluções da ONU e da respectiva Carta.
A realidade posterior viria a confirmá-lo.
Fosse pela emergência de guerras entre os vários movimentos de libertação, como nos casos de Angola e Timor, fosse pela política verdadeiramente anti-portuguesa que ainda demorou a ultrapassar - como foi o caso em Moçambique -, fosse, ainda, pela ansiedade ou mesmo revolta pelo processo de descolonização, a verdade é que o êxodo voluntário de portugueses que ocorreu simultaneamente em todos os territórios ultramarinos prestes a ser descolonizados por Portugal foi uma reacção de defesa da vida e da segurança ameaçadas, para a qual o Governo não estava preparado.
A pouco mais de um mês da independência, saíram de Moçambique cerca de 50 000 portugueses, aos quais se somaram os que tinham fugido para a África do Sul, após as revoltas subsequentes à assinatura do Acordo de Lusaka, e que careciam de repatriamento urgente para Portugal.
Outros 50 000 reclamavam ao Governo que organizasse uma ponte aérea, procurando fugir às polícias ali criadas após a proclamação da independência da nova República Popular de Moçambique, apoiadas pelo Governo da FRELIMO, que expulsava os portugueses, confiscando-lhes os bens como condição de partida, prática que haveria de seguir até meados de 1977.
Em Angola, até à celebração do Acordo de Alvor em 15 de Janeiro de 1975, cerca de 50 000 portugueses abandonaram aquele território, número que haveria de crescer à medida que se aproximava o mês de Novembro, para o qual estava marcada a independência. As autoridades portuguesas viram-se na contingência de ter de promover o seu transporte para Portugal, recorrendo ao fretamento de barcos e aeronaves, face ao esgotamento da capacidade das carreiras normais.