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1656 | II Série A - Número 050 | 17 de Junho de 2000

 

da sobre a resposta a estas questões. E exactamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranquilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos".
35 - Se foi com Hobbes que nos surgiu o conceito positivo de lei - "a lei, propriamente dita, é a palavra daquele que, por direito, tem comando sobre os demais" - foi com Locke que consolidámos que "a lei é o instrumento que assegura a liberdade".
Mas a caracterização material de lei - acompanhando o magistério e o ensino de Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1999, pág. 663 e seguinte - envolve, em si mesmo, três núcleos: a) a lei material como regra ou norma geral e abstracta; b) a lei material como regra de direito delimitadora de esfera livre de actividade das pessoas nas suas relações recíprocas; e c) a lei material no sentido de acto que intervém na propriedade e liberdade dos cidadãos.
36 - Ora, a presente proposta de lei, não abarcando, numa imediata "visibilidade", qualquer dos núcleos acabados de referenciar, parece ser, a priori, uma "lei instrumental". No entanto, ela é, na realidade, uma "quase lei de enquadramento da organização da investigação criminal".
E sendo uma "quase lei de enquadramento" situa-se, a par, das normas e princípios constantes do Código de Processo Penal e é um prius em relação às estruturas orgânicas de cada um dos órgãos de polícia criminal, sejam aqueles com competência genérica sejam aqueles com competência específica. Mas é um "mais" que "prius" em relação a um "regime geral das forças de segurança" que importaria, em bases gerais, delimitar. Como escreve Ferreira Antunes, ob. cit. página 33, "a existência de um sistema de polícia criminal, no qual se movem diversos organismos e entidades policiais desempenhando funções similares ou parcialmente similares (ao menos in nomine), deveria supor a definição de princípios básicos de actuação idênticos e eventualmente critérios estatutários articulados, acautelando, pelo menos, as condições técnicas, profissionais e de execução dos princípios que emergiram da criação "inopinada" do actual "sistema". Poderia, assim, e numa densificação que está, em si mesma, para além de um tipológico protocolo, clarificar-se o princípio fundamental da cooperação recíproca e da coordenação no domínio de um sistema de polícia criminal de um Estado integrado num espaço regional com especificidades normativas em sede de justiça e assuntos internos e, bem assim, e consciente das questões "desviacionantes" que emergem da globalização.
37 - Nestes termos, esta proposta de lei motiva, ela própria, a construção, a um primeiro nível, de um "sistema de polícia" que se articula, neste segundo nível, com o "sistema de polícia criminal". E neste se delimite quer a organização da investigação criminal quer, naturalmente, a organização da "informação criminal".
Ou seja, esta proposta de lei tem de ser entendida como um elemento numa busca coerente e sistémica que não ignore "o número de organizações ou corpos de polícia em presença, as práticas operacionais entre si diferenciadas, as organizações e respectivas culturas internas também diferenciadas, as funções policiais igualmente diferenciadas, as funções predominantes e as complementares, e, em suma, as competências principais e as subsidiárias de cada uma delas, sejam as de ordem e segurança pública, de polícia administrativa ou de polícia criminal". (Ferreira Antunes, ob. cit., pág. 21-22).
Não sendo uma lei "propedêutica" é, no entanto, uma lei que, reafirmando os princípios gerais de organização da investigação criminal constante do Código de Processo Penal - e daí a necessidade de uma total compatibilidade semântica entre as expressões constantes da presente lei e as definições e os conceitos vertidos no Código de Processo Penal -, pretende delimitar a autonomia dos órgãos de polícia criminal relativamente ao Ministério Público. Mas, aqui, sem descurar a posição especial do Ministério Público enquanto titular da fase de inquérito - que é, sempre, um inquérito em concreto, essência da "dependência funcional" - e perante o qual se desenvolve necessariamente um especial relacionamento com os órgãos de polícia criminal.
38 - A compreensão da presente proposta de lei exige, igualmente, que identifiquemos a perspectiva "triangular" em que assenta o sistema de polícia criminal português. Ele é baseado nos vértices "Polícia Judiciária", Guarda Nacional Republicana" e "Polícia de Segurança Pública". Todavia, como escreve Ferreira Antunes, ob. cit. pág. 31, estes são vértices de natureza diversa: o primeiro, encerra exclusivamente a função de polícia judiciária como órgão de polícia criminal e auxiliar de administração da justiça e, subsidiariamente, a função "segurança interna"; o segundo, assume-se a natureza e as funções decorrentes de polícia de ordem pública, da segurança interna e, subsidiariamente, com atribuições de órgão de polícia criminal, o mesmo se diga do terceiro.
A realidade funcional do sistema tem mostrado que as decorrências práticas do quadro processual penal em vigor não respondem a todas as exigências do exercício da função de polícia criminal e não tem podido, por si, dar resposta coerente aos requisitos de um sistema eficiente e com um grau de eficácia aceitável.
A falta de um claro enquadramento legal da função de polícia criminal e o modo como se conferem e reconhecem, de forma tecnicamente indiscriminada, competências generalizadas de polícia criminal são obstáculos nucleares e que sempre impedirão qualquer evolução sólida, harmónica do sistema, tanto mais que o "reconhecimento" da "qualidade" de polícia criminal radica num mero critério formal-legal despido de qualquer pressuposto substantivo que esteja subordinado a condições técnicas e profissionais de qualificação individual, controlável e verificável. Percebe-se, pois, que a necessária coordenação e concertação no âmbito da polícia criminal tenha de ser um processo que leve em consideração este estado de coisas".
39 - Ora, o quadro da investigação criminal português assenta no princípio segundo, o qual os órgãos de polícia criminal actuam sob directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional. O Código de Processo Penal consagrou um sistema de dependência funcional ou coadjuvação da autoridade judiciária. Esta "compreensão" determinou um sistema de articulação entre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal - e, igualmente, o controlo hierárquico da actividade processual -, que foi concretizado através, num primeiro momento, da circular da Procuradoria Geral da República 8/87, de 21 de Dezembro, e, mais recentemente, na circular 9/99, de 15 de Julho.
40 - Esta última circular estabelece o seguinte:
1 - "Nas Comarcas de Lisboa, Porto, Coimbra e Faro, a delegação para a investigação de crimes a que seja aplicável pena de prisão até três anos ou pena não privativa da liberdade será feita na Polícia de