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2167 | II Série A - Número 067 | 09 de Junho de 2001

 

- Estímulo à investigação científica sobre o genoma humano;
- Definição de regras para a colheita e conservação de amostras biológicas;
- Estabelecimento de procedimentos para a constituição e manutenção de bancos de produtos biológicos usados para testes e para investigação (DNA e outros);
- Definição dos princípios das bases de dados genéticos;
- Adopção de medidas para a formação de geneticistas e reforço das capacidades de intervenção médica no aconselhamento genético;
- Não reconhecimento do patenteamento de conhecimento do código genético humano;
- Proíbição das intervenções de clonagem do ser humano para efeitos reprodutivos.

O artigo 7.º do projecto de diploma estabelece que as bases de dados genéticos para prestação de cuidados de saúde relativas à investigação em saúde serão objecto de regulamentação especial pela Comissão Nacional para a Protecção de Dados.
Dado que a matéria sub judice está sujeita a reserva de lei, este preceito normativo parece enfermar de inconstitucionalidade face ao disposto no artigo 155.º, n.º 1, alínea b) do texto constitucional. Essa mesma reserva é formulada pelo Presidente da Assembleia da República, no seu Despacho de Admissão à iniciativa vertente nos seguintes termos: "(...) afigura-se-me que a regulamentação prevista no artigo 7.º, n.º 2, está sujeita a reserva de lei. A ser assim a delegação prevista é de duvidosa constitucionalidade".

III - A Constituição da República Portuguesa e o Direito à Identidade Pessoal

Dispõe o artigo 1º. da Constituição da República Portuguesa que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
No douto entendimento de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira a dignidade da pessoa humana fundamenta e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais - desde os direitos pessoais (direito à vida, à integridade física e moral, etc.) até aos direitos sociais (direito ao trabalho, à saúde, à habitação), passando pelos direitos dos trabalhadores (direito à segurança no emprego, liberdade sindical, etc.) - mas também à organização económica (princípio da igualdade da riqueza dos rendimentos, etc.). Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a no caso dos direitos sociais ou invocá-los para construir uma "teoria do núcleo da personalidade" individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.
O artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa reconhece a todos os cidadãos um conjunto significativo de direitos distintos a que chama de "outros direitos pessoais" e que estão ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas, abarcando aquilo a que a literatura juscivilista designa por direitos da personalidade.
De salientar que, por força do IV Processo de Revisão Constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), foi acrescentado ao catálogo dos direitos pessoais o direito ao desenvolvimento da personalidade, marcando-se por esta via a dignidade da personalidade individual ( matéria que é abordada no Tratado de Amsterdão à luz da não-discriminação em função da opção sexual) e o direito à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, solução que, sem embargo da natureza imediatamente preceptiva dos direitos, liberdades e garantias, não deixará de constituir um reforço, em várias vertentes, da sua efectividade [Vd. CRP (4.ª revisão) Anotada por Jorge Lacão, Texto Editora, Setembro de 1997].
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 26.º prevê expressamente que "a lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica", alteração esta que surgiu em correspondência directa e sintonia com os contributos do Conselho da Europa, designadamente através da Convenção da Bioética.
Trata-se, pois, de um comando constitucional inovador, de inegável valor no quadro do respeito pela dignidade da pessoa humana e que deverá servir para balizar a intervenção do legislador ordinário também no que respeita à biomedicina e nas suas implicações para o ser humano.
No entendimento de José Magalhães (In Dicionário da Revisão Constitucional, por José Magalhães, Notícias Editorial), a norma aprovada não consagra um "direito à identidade genética". Limita-se a dar ao legislador ordinário uma directriz, mandando-o proteger certos valores, sem especificar um "caminho único" para esse objectivo.
A explicitação de que não é admissível experimentação violador da dignidade humana reafirma apenas - num domínio sensível - o princípio basilar decorrente do artigo 1.º da Constituição.

IV - Perspectivas legais nacionais

Com relevância, indirecta para a matéria em discussão, permitimo-nos ainda ressaltar:

- A Lei n.º 3/84, de 24 de Março, sobre Educação Sexual e Planeamento Familiar, que consagra no seu artigo 9.º, n.º 1, que o "Estado deve promover e proporcionar a todos, através de centros especializados, o estudo e tratamento de situações de esterilidade, bem como o estudo e a prevenção de doenças de transmissão hereditária", prevendo expressamente no n.º 2 do referido artigo, a inseminação artificial como forma de suprimento da esterilidade.
- O Decreto-Lei n.º 319/86, de 25 de Setembro, que visava acautelar a idoneidade das práticas de procriação assistida que já então se desenvolviam em Portugal.
- A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, Lei de Bases da Saúde, que consagra, na Base XIV, nomeadamente o direito dos pacientes decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição legal especial e que constitui já um afloramento do princípio do consentimento livre e informado. A citada Base reconhece, também, aos utentes o direito à informação sobre a sua situação clínica, evolução provável e alternativas possíveis de tratamento e, ainda, o direito à confidencialidade sobre os seus dados pessoais. Por fim, no que respeita aos menores e incapazes o legislador remeteu para a lei a previsão das condições em que os seus representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de recusarem a assistência.