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0048 | II Série A - Número 076S | 18 de Julho de 2001

 

adiada, a necessária reforma foi sendo substituída por medidas de alcance mais limitado, que, aperfeiçoando embora o sistema, não alteraram as suas traves-mestras.
Ao longo do ano 2000 o Ministério da Justiça promoveu a realização de um amplo debate público, até aí inédito em Portugal, sobre as grandes questões que se colocam à reforma do contencioso administrativo. Em diversos colóquios, realizados sob o patrocínio do Ministério da Justiça nas principais faculdades de direito do País, foram detidamente discutidas as múltiplas questões envolvidas. Os textos das intervenções proferidas, muitos deles também publicados em revistas jurídicas, foram reunidos em volume publicado pelo Ministério. Paralelamente, o Ministério da Justiça criou uma página web com informação relativa ao contencioso administrativo e à reforma, na qual foi mantido um fórum de debate em que os interessados puderam participar, emitindo opiniões acerca dos temas em discussão.
Por outro lado, o Ministério promoveu a realização e divulgação de dois estudos que também foram objecto de colóquios em que foram apresentados e discutidos. Um primeiro estudo, realizado no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que foi apresentado e debatido em colóquio realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; o segundo estudo, elaborado pela Andersen Consulting, S.A. (actualmente, Accenture, S.A.), em parceria com a sociedade de advogados Sérvulo Correia & Associados, escolhida após concurso público internacional levado a cabo para o efeito, analisou a organização e o funcionamento dos tribunais administrativos, identificando os pontos críticos e formulando propostas concretas tendentes à racionalização da gestão, à melhoria do funcionamento e ao aumento da eficácia e da eficiência daqueles tribunais, com projecção nos domínios da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, da distribuição de competências, da definição do regime da tramitação processual e da redefinição das regras de funcionamento interno dos tribunais administrativos, no sentido de se procurar a optimização dos recursos materiais e humanos.
Este conjunto de iniciativas permitiu obter a percepção dos problemas que se colocam ao contencioso administrativo português e das vias de solução que os podem resolver. Foram, assim, criadas as condições necessárias à elaboração dos diplomas que integram a reforma do contencioso administrativo, a começar pelo presente Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
2 - Em harmonia com a terminologia constitucional e com a designação que nela é dada ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, opta-se por designar o Estatuto como "Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais", regulador da organização e funcionamento dos tribunais que integram a "jurisdição administrativa e fiscal". Isto, sem prejuízo de os tribunais fiscais de primeira instância se continuarem a chamar "tribunais tributários" e de a secção que, no Tribunal Central Administrativo e no Supremo Tribunal Administrativo, decide as questões de natureza fiscal se continuar a chamar "secção de contencioso tributário".
3 - No plano da delicada e complexa matéria da delimitação do âmbito da jurisdição, partiu-se, como não poderia deixar de ser, do quadro constitucional vigente e das imposições que dele decorrem, vinculando o legislador ordinário. Como é bem sabido, desde a revisão constitucional de 1989, e sem que, ao longo destes quase 12 anos, o facto tivesse sido objecto de controvérsia, a jurisdição administrativa e fiscal é uma jurisdição constitucionalmente obrigatória, o que, como tem sido assinalado pela doutrina, significa que o legislador não pode pôr o problema de saber se ela deve ou não deve existir. Existe em Portugal e está hoje consolidada, a exemplo do que sucede na França, na Alemanha ou na Itália, uma ordem jurisdicional administrativa e fiscal, diferente da jurisdição comum, constituída por verdadeiros tribunais, dotados de um estatuto em tudo idêntico àquele que a Constituição estabelece para os restantes tribunais, impondo-se hoje assegurar que as vias de acesso a esses tribunais são aptas, como a Constituição também exige, a dar adequada resposta a todas as questões que, por imperativo constitucional, devam ser submetidas a essa jurisdição.
Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de "relações jurídicas administrativas e fiscais". Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.
Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa, com especial destaque para a atribuição à jurisdição administrativa dos processos de expropriação por utilidade pública, cuja competência, num momento em que a jurisdição administrativa é constitucionalmente consagrada como uma ordem de verdadeiros tribunais, só por razões tradicionais continua a ser remetida para os tribunais comuns. Por ainda envolver a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos, pareceu, entretanto, adequado atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade emergentes do exercício da função política e legislativa e da função jurisdicional.
Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa.
A jurisdição administrativa passa, também, a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público,