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0433 | II Série A - Número 015 | 22 de Junho de 2002

 

PROJECTO DE LEI N.º 76/IX
PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO E REGIME JURÍDICO DOS HOSPITAIS E CENTROS DE SAÚDE DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Exposição de motivos

I

A protecção do direito à saúde é um dos objectivos sociais fundamentais para uma política responsável que responda ao País. Por isso, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 64.º, estabelece quatro princípios fundamentais que devem servir de orientação para consagrar a protecção do direito à saúde:
- Garante a universalidade do direito à protecção da saúde;
- Determina a existência de um serviço nacional de saúde estruturante do sistema de saúde, no contexto da necessidade de desenvolver as condições sociais que determinam o progresso da saúde;
- Afirma a responsabilidade prioritária do Estado no desenvolvimento do sistema de saúde e na sua regulação;
- Determina o carácter descentralizado e participado da gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No entanto, estes objectivos têm sido prejudicados pela indefinição do estatuto do SNS, pela falta de planeamento do investimento em saúde, pela imprecisão das políticas de saúde que têm vindo a ser conduzidas nas últimas duas décadas, quando não pelas políticas privatizadoras que enfraquecem e desagregam o SNS.
É certo que ao longo dos 22 anos que decorrem desde o lançamento do SNS (Setembro de 1979) o sistema de saúde sofreu grandes alterações, que permitiram progressos assinaláveis no nível de saúde dos portugueses: entre outros, estamos actualmente ao nível de alguns dos países mais desenvolvidos no que diz respeito à mortalidade infantil (que passou entre 1970 e 1990 de 58 para 7 por 000), e a esperança de vida aumentou no mesmo período de 65 para 75 anos, embora sendo ainda inferior à de outros países desenvolvidos.
Mas o mesmo progresso não se regista na mortalidade adulta, na resposta à prioridade da qualidade dos cuidados primários e na prestação de serviços no sistema de saúde em geral, na resolução das assimetrias sociais e espaciais no acesso aos cuidados. Neste contexto, a situação da saúde pública em Portugal é muito preocupante. Como revelado pelo Inquérito Nacional de Saúde, temos das mais elevadas taxas de alcoolismo e de toxicodependência de toda a Europa, registamos em 1998 quatro vezes os casos de SIDA por habitante em relação à média europeia e duas vezes e meia os casos de tuberculose.
Face a estes e outros dados objectivos sobre a situação da saúde pública, mais preocupante se torna a constatação de que temos um sistema de saúde que discrimina os mais pobres e os mais necessitados: a possibilidade de acesso a cuidados de qualidade varia na razão directa da capacidade económica e na razão inversa da necessidade de acesso aos cuidados de saúde. Temos um dos sectores privados mais caros da Europa e, paradoxalmente, um dos Serviços Nacionais de Saúde menos desenvolvidos e menos habilitados à prestação de cuidados de qualidade.
A crise do SNS tem, por isso, sido analisada e compreendida como uma expressão de um profundo défice democrático. A reforma do sistema de saúde, que exige a aprovação e aplicação de uma nova Lei de Bases da Saúde, deve por isso constituir uma prioridade legislativa. Nesse sentido, e desde já, o Bloco de Esquerda apresenta este projecto de lei que define o estatuto jurídico das unidades do Sistema Nacional de Saúde, e que estabelece o princípio da separação entre o sector público e o privado no sistema de saúde.

II

A mercantilização do sistema de saúde tem sido uma das causas do défice democrático que se vive no sistema de saúde. E tem sido igualmente uma das causas da desarticulação do Serviço Nacional de Saúde.
Ora, a saúde não pode ser tratada simplesmente como um mercado, visto que devem predominar, na orientação dos cuidados de saúde, as respostas às necessidades colectivas e não os critérios de rentabilidade privada. A ser um simples mercado seria certamente dos mais irracionais, dada a extrema assimetria de informação e de poder entre os seus operadores e entre eles e os utentes, tratando-se ainda de uma economia oligopolizada, isto é, com forte poder de condicionamento por parte de alguns dos fornecedores de serviços e de produtos. Mais ainda: a informação é hoje predominantemente dirigida e controlada pela indústria farmacêutica, e é um dos instrumentos do seu poder económico que os governos não quiseram controlar nem limitar.
Por parte dos poderes públicos a dificuldade de controlo orçamental é também notória, dado que existe uma separação óbvia entre o prestador do serviço que toma a decisão terapêutica e a decisão económica que a pretende regular e que, em consequência, todas as abordagens meramente contabilísticas do controlo da despesa pública fracassam clamorosamente.
Por tudo isto, o presente projecto de lei rejeita vigorosamente a ideia liberalizadora e privatista que tem vindo a ser defendida e que constituiria o naufrágio do SNS, para abrir as portas a uma generalização de uma medicina socialmente ainda mais discriminadora, o que constituiria uma forma brutalmente injusta de anular o direito universal à prestação dos cuidados de saúde.
O resultado das iniciativas privadas tem sido, aliás, uma demonstração categórica da sua incapacidade em fornecer um serviço de qualidade a preço socialmente aceitável.
No caso do Hospital da Cruz Vermelha, foi mesmo preciso um negócio com o governo que garantiu que, em vez do recurso natural ao Hospital do Coração e a Santa Marta, os cuidados em cardiologia pediátrica e urologia seriam desviados para a Cruz Vermelha. Ao mesmo tempo, o governo decidiu, em 1998, que a Partest compraria 45% deste hospital privado, a um preço que decuplicava o seu valor de mercado (as acções foram compradas a 10 400 escudos, quando valiam 1006), o que permitiu regularizar o passivo, injectando desta forma 2,3 milhões de contos na empresa, e estabelecendo ainda um acordo por cinco anos que garante 80% da facturação da unidade.
O Tribunal de Contas publicou um relatório em que denuncia este acordo, considerando que "não cabe ao Estado apoiar uma instituição privada com dinheiros públicos

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