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0007 | II Série A - Número 001 | 18 de Setembro de 2003

 

Mais recentemente o Conselho de Segurança das Nações Unidas instituiu tribunais ad hoc para julgar casos concretos e circunscritos, como o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia para julgar os indivíduos responsáveis por actos de "limpeza étnica" (Resoluções n.os 808 e 827, de 1993), e o Tribunal Penal Internacional para julgar os crimes cometidos no Ruanda e por ruandeses no território de Estados vizinhos (Resolução do Conselho de Segurança n.º 955, de 1994).
Mas a exigência de uma entidade permanente com competência para julgar crimes de violação do direito internacional humanitário, qualquer que seja o momento ou o sítio onde tenham sido cometidos, persistia como preocupação ao longo destes anos.
Neste sentido, na Resolução n.º 260 A (III), de 9 de Dezembro de 1948, que adoptou a Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crime de Genocídio, a Assembleia Geral das Nações Unidas convidava a Comissão de Direito Internacional a estudar a "possibilidade de criação de um órgão judicial internacional para julgar os indivíduos acusados da prática de genocídio".
Posteriormente, em 1989, a Assembleia Geral solicitou à Comissão de Direito Internacional que retomasse os trabalhos, tendo o anteprojecto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional sido apresentado em 1994.
Finalmente, com a aprovação de 120 países, sete votos contra e 21 abstenções, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi adoptado em Roma, em 1998, tendo, até ao momento, sido assinado por 139 Estados e ratificado por 89 Estados, entre os quais todos os membros da União Europeia.
Portugal, como os demais membros da União Europeia, apoiou a adopção do Estatuto do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma e procedeu à sua assinatura em 9 de Outubro de 1998.

III - Relação entre o Tribunal Penal Internacional e o direito penal português

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional afirma a natureza complementar da sua intervenção em relação às jurisdições penais nacionais em dois planos:
- O direito penal internacional só intervém para prevenir e reprimir as mais graves ofensas aos direitos e valores essenciais da humanidade;
- O direito penal internacional circunscreve-se às situações em que a tutela daqueles valores não é adequadamente operada pelo direito penal nacional.
Em virtude de tal adopção implicar a atribuição de poderes jurisdicionais a um tribunal internacional foi indispensável abrir, em 4 de Abril de 2001, um processo de revisão constitucional extraordinário (5.ª Revisão Constitucional), o que foi concluído com a aprovação da Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro.
Nos termos dessa lei, foi aditado o n.º 7 ao artigo 7.º da Constituição com a seguinte redacção:

"7 - Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma".

Esta alteração veio permitir a aprovação, para ratificação, pela Assembleia da República, em 20 de Dezembro de 2001, do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (Resolução da Assembleia da República n.º 3/2002) e a sua ratificação pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2002, de 18 de Janeiro.
Pela declaração interpretativa feita pelo artigo 2.º da Resolução da Assembleia da República e do decreto do Presidente da República, Portugal manifesta a intenção de exercer poder de jurisdição sobre pessoas encontradas em território nacional indiciadas pelos crimes previstos no artigo 5.º do Estatuto, "com observância da sua tradição penal, de acordo com as suas regras constitucionais e demais legislação penal interna".
A ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional não obriga por si mesmo à alteração da lei penal interna. Tal resulta da opção pela concretização do princípio de complementaridade com a intenção expressa de afastar a entrega ao tribunal de indivíduos aos quais seja imputada a prática de crimes sancionáveis com pena de prisão perpétua, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto.
A adaptação da lei penal favorece, todavia, uma melhor harmonização da ordem jurídica interna com o direito internacional na dimensão configurada pelo Estatuto do TPI.
A lei penal portuguesa prevê os crimes de genocídio, discriminação racial ou religiosa, de guerra contra civis, de destruição de monumentos e tortura e tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (artigos 239.º a 244.º do Código Penal).
Existem, contudo, tipos previstos no Estatuto não regulados pela lei penal portuguesa:
- Crimes contra a humanidade como tipo autónomo;
- Extermínio;
- Repatriação ou transferência de população fora de um contexto de conflito armado;
- Gravidez ou esterilização forçadas;
- Desaparecimento forçado de pessoas;
- Perseguição por motivos políticos, raciais, nacionais, culturais, religiosos ou de sexo;
- Apartheid;
- Violação em tempo de guerra.
É importante referir que não foi ainda possível obter consenso em torno da definição do conceito de "agressão"; no entanto, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto, o Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime.

IV - Projectos antecedentes

Com vista à harmonização entre as soluções adoptadas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e na lei penal portuguesa, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou, na VIII legislatura, o projecto de lei n.º 405/VIII - Altera o Código Penal para garantia do julgamento em Portugal dos autores de crimes de maior gravidade que afectam a comunidade internacional no seu conjunto.
Na mesma altura, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou o projecto de lei n.º 468/VIII - Assegura