0425 | II Série A - Número 011 | 31 de Outubro de 2003
PROJECTO DE LEI N.º 367/IX
LEI-QUADRO DOS INSTITUTOS PÚBLICOS
Preâmbulo
A problemática dos institutos públicos está, desde há vários anos, no centro do debate político sobre a reforma da administração pública por razões que são perfeitamente compreensíveis.
O crescimento e diversificação das funções do Estado ao longo do século XX, e em Portugal, particularmente após a Revolução de Abril de 1974, com a assumpção de novas responsabilidades sociais por parte do Estado, criaram a necessidade de prosseguir determinadas funções públicas de forma mais eficiente, o que correspondeu à criação de um número significativo e heterogéneo de institutos personalizados, não integrados na administração central, dispondo de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, integrando a chamada administração indirecta do Estado.
O universo dos institutos públicos aumentou e diversificou-se ao longo dos anos. Em muitos casos com plena justificação. Ninguém contesta, por exemplo, a atribuição de personalidade jurídica própria aos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, às universidades e institutos politécnicos públicos ou aos teatros nacionais. No entanto, particularmente nos últimos anos, a personalização de serviços e a consequente criação de novos institutos, deixou de corresponder a uma necessidade de racionalização e deixou de obedecer a critérios justificativos claros, para passar a ser um expediente utilizado pela chamada "fuga para o direito privado" destinada a subtrair vastos sectores do Estado à disciplina jurídica própria dos serviços integrantes da administração directa.
A criação de institutos públicos passou assim a decorrer de meras opções políticas sem qualquer justificação administrativa coerente ou sequer plausível, situação propiciada pela inexistência de uma legislação enquadradora dos institutos públicos que, com valor reforçado, estabeleça com rigor os critérios que hão-de presidir à criação de institutos públicos e os termos da sua organização e funcionamento. Em suma: uma legislação que acabe com o casuísmo reinante e confira coerência à organização da administração indirecta do Estado.
Quando em 2001 foi publicado o relatório do grupo de trabalho para os institutos públicos, constituído pelo XIV Governo Constitucional e presidido pelo Prof. Dr. Vital Moreira, foi tornado público um universo de cerca de 330 institutos públicos em Portugal, marcado pelo casuísmo e pela heterogeneidade de soluções, revelando cinco fenómenos que a própria Comissão destacava: 1) A ausência de justificação para a criação de muitos institutos; 2) A existência de soluções institucionais diferentes para situações idênticas, dependendo de factores conjunturais e aleatórios; 3) A instabilidade de soluções; 4) A tendência para a irreversibilidade dos institutos, uma vez criados; 5) A persistência de situações verdadeiramente exóticas.
Porém, as propostas de lei apresentadas sobre esta matéria, quer pelo XIV Governo Constitucional (retomada no essencial como projecto de lei do PS na presente legislatura), quer pelo XV Governo, presentemente em funções, não obstante o propósito anunciado de disciplinar o universo dos institutos públicos, configuram opções discutíveis e, particularmente no caso da proposta de lei actualmente em discussão, verdadeiramente inaceitáveis.
Até ao momento, as opções do actual Governo em matéria de institutos públicos só vieram piorar a incoerência já existente, com a desastrada opção tomada em sede de Orçamento Rectificativo, de publicitar uma lista de institutos públicos sujeitos a processos de extinção, reestruturação e fusão. Se a situação anterior era marcada pela incoerência, a situação criada primou pela irresponsabilidade e tem vindo a traduzir-se numa insustentável instabilidade no cumprimento das funções cometidas à administração indirecta do Estado.
A proposta de lei já apresentada pelo actual Governo contém soluções que são, para o PCP, inaceitáveis. Desde logo, o Governo pretende acabar com o regime da função pública como regime regra da contratação pública, generalizando o recurso ao contrato individual de trabalho na administração indirecta, com todas as implicações negativas dessa opção, quanto aos direitos dos trabalhadores e às condições de prestação do serviço público. Por outro lado, ao remeter para diplomas regulamentares a aprovação dos estatutos de cada instituto e ao permitir um vasto elenco de excepções às regras criadas quanto à criação de institutos, o Governo visa afinal legitimar a discricionariedade e a incoerência das soluções adoptadas. Ou seja, apesar de existir uma lei-quadro, o Governo continua a poder fazer tudo e, sobretudo, a poder alienar as responsabilidades da administração indirecta a favor de diversas soluções de desmantelamento e privatização de serviços e funções do Estado.
Ao apresentar um projecto de lei-quadro dos institutos públicos, o PCP pretende assinalar alguns aspectos fundamentais que, em seu entender, devem presidir à criação de institutos públicos e à organização da administração indirecta do Estado. Merece a pena salientar desde já alguns dos pontos fundamentais.
Em primeiro lugar, os institutos públicos só devem ser criados por razões fundadas na especificidade técnicas das funções a desenvolver, devendo ser devidamente fundamentada essa opção em estudos adequadamente publicitados. Só podem ser personalizados os serviços públicos que reúnam condições para ter autonomia administrativa financeira e patrimonial. Esta regra não deve ter excepções, sob pena de, como se costuma dizer, poder entrar pela janela, o que não pode entrar pela porta.
O regime aplicável aos institutos deve ser um regime de direito público, quer quanto ao funcionamento quer quanto ao regime do pessoal. A criação de institutos não deve servir de pretexto para fugas para o direito privado, pondo em causa os direitos dos trabalhadores e os direitos dos utentes a serviços públicos de qualidade.
Os estatutos dos institutos devem ser parte integrante dos respectivos diplomas legislativos de criação, salvaguardando assim a transparência e a possibilidade de fiscalização parlamentar da sua organização interna. Por outro lado, salvaguardada a existência de regimes próprios de funcionamento de diversas instituições que, sendo qualificáveis doutrinariamente como institutos públicos, devem ser remetidas para legislação especial atenta a sua especificidade, a organização e funcionamento dos institutos deve obedecer a regras claras a seguir por todos.
Por fim, deve ser adoptado um sistema de revisão da situação de todos os institutos existentes, de forma a avaliar, num prazo razoável mas não excessivamente longo, da pertinência das soluções vigentes. Verificada a desconformidade