1915 | II Série A - Número 037 | 19 de Fevereiro de 2004
Quando o espírito da Lei n.º 7/71 se concretizou (Decreto-Lei n.º 184/73, de 25 de Abril, e Decreto-Lei n.º 286/73, de 5 de Junho) não faltou quem afirmasse que o Instituto Português de Cinema iria permitir, com outros meios, continuar a acção da Fundação. Esses meios - ao contrário do que um persistente equívoco fez crer e continua a fazer crer, trinta anos volvidos sobre a criação do Instituto - não oneram todas as pessoas através dos impostos, mas eram, na quase totalidade, obtidos pela criação de uma taxa que, primeiro, recaiu sobre as receitas das bilheteiras de cinema e actualmente incide sobre a publicidade televisiva.
2 - Ultrapassados os anos de 1974 e 1975, que praticamente se seguiram à fundação do Instituto Português de Cinema, os resultados da política do Estado através dos planos de produção anuais do organismo competente, hoje o ICAM (Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia), estão à vista. Se o cinema português continua a ser discutido, é indiscutível que, a partir da década de 80, se impôs internacionalmente como uma das nossas artes prestigiadas. Tornou-se presença constante nos grandes festivais internacionais, conquistou prémios e galardões e tornou respeitados e famosos alguns dos seus maiores criadores, que se contam hoje entre os grandes nomes da nossa cultura. O Estado deve por isso manter meios e estruturas que permitam afirmações culturais e artísticas diversas e inequívocas, continuando a apoiar aqueles que, com os seus filmes, projectam e projectaram a cultura portuguesa e o nome de Portugal, interna e externamente.
A "grande arte da luz e da sombra", para utilizar o título de uma obra célebre, escrita em 1655 e que pela primeira vez teorizou a "escrita através das imagens em movimento", pode não se confundir com o cinema que conhecemos entre 1895 (data das primeiras projecções dos irmãos Lumiére e do nascimento da exploração cinematográfica) e os anos 80 do século passado, quando novas descobertas tecnológicas permitiram a passagem da "imagem química" à "imagem electrónica". Muitos historiadores sustentam, como Malraux escreveu, que "o cinema é apenas o aspecto mais evoluído do realismo plástico, cujos princípios são enunciados no Renascimento", quando se descobriu a perspectiva e a ilusão de um espaço a três dimensões. Pode ser que o cinema, tal como o conhecemos durante cerca de 90 anos, tenha de mudar. O que por certo se manterá é a representação cinematográfica, sejam quais forem os suportes do futuro.
Caso particular na história da evolução das artes plásticas, o cinema tem a sua génese na tentativa de fixação das aparências, prolongando a imagem para além da transitoriedade dela ou fixando a aparência para a defender da sua temporalidade.
Como em todas as outras artes, houve e haverá sempre evoluções técnicas. Mas o cerne da representação cinematográfica, eventualmente já pressentido na platónica "alegoria da caverna", permanece o mesmo: integrar o movimento e o tempo na imagem.
O que hoje também é um dado novo é a consciência, relativamente recente, do carácter destrutível das obras cinematográficas. Frágeis são os suportes delas - quer os de ontem quer os de hoje. Daí que seja também missão do Estado, através do Ministério da Cultura, salvaguardar o património cinematográfico, por forma a que o cinema não seja uma "arte de transição", quase tão efémera como uma vida humana. Essa é a função atribuída ao outro organismo do Ministério que se ocupa do Cinema (a Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema), ao qual cabe fundamentalmente conservar, restaurar e difundir o património cinematográfico português ou existente em Portugal, sendo claro que o património começa ontem e não se limita ao que o tempo consagrou como tal.
3 - Por todas estas razões e reconhecendo a necessidade de criar um novo quadro normativo definidor do apoio do Estado às artes e actividades cinematográficas e do audiovisual que pratique a defesa clara dos seus objectivos culturais próprios e a assunção da sua crescente importância social e económica, o Governo encetou um ambicioso programa de estímulo e desenvolvimento do cinema e do audiovisual nacionais. Tal programa vai do apoio à criação, à produção, à distribuição, à exibição e à difusão das obras cinematográficas e audiovisuais. Os pressupostos destas acções, assentam no reconhecimento que está a desenvolver-se uma acelerada integração dos sectores da cultura, das telecomunicações, da educação e das novas tecnologias de inovação e conhecimento a que importa responder com medidas adequadas.
A Resolução do Conselho de 19 de Dezembro de 2002, relativa aos conteúdos dos media interactivos na Europa nota que estes "desempenham um importante papel na ilustração individual, na inovação nos sectores público e privado e na diversidade cultural".
E acrescenta que "a diversidade cultural e linguística da Europa pode e deve manifestar-se nos conteúdos dos media interactivos do futuro, com vantagem para a continuação do desenvolvimento das culturas na Europa".
Assinala ainda que "os conteúdos criativos dos media interactivos constituem, tanto a nível europeu como a nível mundial, um mercado importante e em crescimento", sublinhando igualmente a importância de "assegurar a qualidade dos conteúdos dos novos media através da combinação da liberdade artística, da criatividade, da inovação e ainda da diversidade cultural e linguística, à luz do desenvolvimento da sociedade do conhecimento e do desenvolvimento das indústrias culturais e criativas."
Trata-se de um desafio para a política cultural e do audiovisual, que deve igualmente ser perspectivado como objectivo de uma estratégia que visa promover a inovação e garantir às empresas europeias uma parte equitativa do mercado de conteúdos dos media interactivos.
Considera também que, apesar de o sector dos conteúdos media interactivos estar em crescimento, "ainda se encontra num estádio inicial em termos de investimento e de receitas", sendo por isso necessário "conferir-lhes maior relevância, tanto no sector público como no sector privado, enquanto novo fenómeno cultural, audiovisual e empresarial".
Portugal é um dos países da União Europeia que menor investimento efectuou no passado em novas tecnologias. Por isso, a criação de novos serviços, aplicações e conteúdos que permitam desenvolver novos mercados e aumentar a produtividade, constitui igualmente um dos grandes objectivos a atingir para a configuração de uma sociedade do conhecimento.
Atendendo a estes objectivos, entre outros, e de modo a adaptar a criação e a produção de novos serviços, produtos e obras multimédia, o Estado, através do Ministério da Cultura, deve reforçar o apoio a projectos de inovação tecnológica e ao desenvolvimento da Internet em banda larga, atendendo à lógica das multiplataformas de comercialização e de difusão e ao mercado nacional e internacional, prevendo, para este sector, a criação de um dispositivo normativo próprio, que permita adequar e alargar o âmbito do sistema de incentivos à respectiva evolução.