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17 | II Série A - Número: 108 | 5 de Junho de 2008


Na verdade, nele se afasta expressamente que a alegada importância fundamental do modo de funcionamento interno tenha algo a ver com o eventual impacto da actividade policial na esfera de liberdade dos cidadãos, para a relacionar antes, de modo implícito, com razões de operacionalidade e eficácia. É o que resulta do seguinte trecho:

«Nesses regimes específicos das diversas forças de segurança assume fundamental importância a sua organização interna. Se este aspecto não assume relevância quanto às implicações que a actividade policial pode representar para os direitos e liberdades dos cidadãos, como acima se constatou, já o adequado modo de funcionamento interno duma força de segurança justifica que não deva escapar à reserva de acto legislativo imposta pelo n.º 4 do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.» Afastada, como razão justificativa, a possibilidade de interferência com os direitos dos cidadãos, o «adequado modo de funcionamento» só pode ter a ver com preocupações de operacionalidade e eficácia. E.
sendo estas comuns, até em termos constitucionais, a todos os sectores da Administração Pública, fica por compreender porque é que se lhes atribui maior relevo, justificativo da forma de acto legislativo, quando se reportam à matéria da distribuição interna de competências da Polícia Judiciária.
É bem certo — e nisso acompanho inteiramente a fundamentação do acórdão — que, tipificadas as «medidas de polícia» a utilizar por determinada força de segurança, «(…) a indicação de quais são os departamentos dessa polícia competentes para as adoptar, de acordo com a sua forma de organização interna, não parece relevante para a garantia de que a actuação da polícia se enquadre nos modelos de actuação legalmente estabelecidos, de forma a acautelar eventuais restrições a direitos e liberdades dos cidadãos.» Mas, se assim é, decai a única razão que, do ponto de vista valorativo que presidiu à exigência de forma de lei para o «regime das forças de segurança», poderia justificar a «relevância crucial» da matéria em causa e a sua integração no âmbito da reserva. Por outras palavras: as razões que levaram o acórdão a afastar — e bem! — a invocada inconstitucionalidade por violação do n.º 2 do artigo 272.º deveriam também ter conduzido a idêntico juízo quanto à violação da reserva de lei consagrada no n.º 4 do mesmo artigo.
Se as razões em que se apoia o decidido não merecem, a meu ver, acolhimento, não se descortinam quaisquer outras que possam levar a concluir que o particular aspecto da organização interna da Polícia Judiciária que é a repartição de competências pelas suas unidades caia dentro da reserva de acto legislativo consagrada no n.º 4 do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.
Diga-se, para concluir, que a necessidade de garantir a possibilidade de controlo pela Assembleia da República e pelo Presidente da República não pode ser decisivamente invocada em favor da abrangência desta matéria pela reserva de lei. Há que atentar, na verdade, que esse controlo ficaria, no essencial, assegurado com a emissão de um decreto regulamentar. O que vem sugerir que, pelo menos desta perspectiva, a questão não é tanto a da deslegalização, mas a da forma de deslegalização. Mas, com isso, estaríamos a deslocar a questão de constitucionalidade para a eventual violação da reserva de decreto regulamentar — questão cuja apreciação ficou prejudicada pela posição que fez vencimento e que, em conformidade, me dispenso aqui de apreciar.
Por todo o exposto, é minha firma convicção de que o acórdão não deveria ter-se pronunciado pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 22.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, do Decreto da Assembleia da República n.º 204/X (na parte especificada na decisão), com fundamento na violação de reserva de lei imposta pelo n.º 4 do artigo 272.º.

Joaquim de Sousa Ribeiro

Declaração de voto

Não acompanho o acórdão quanto ao julgamento da inconstitucionalidade das normas impugnadas por violação do artigo 272.º, n.º 4, da Constituição. Não creio, na verdade, que seja possível extrair do artigo 272.º, n.º 4, da Constituição — como faz o acórdão — uma reserva de acto legislativo na regulamentação da matéria em causa. Entendo, pelo contrário, que esta matéria se integra no poder regulamentar do Governo, nos termos previstos essencialmente na alínea d) do artigo 199.º da Constituição, e isto independentemente de saber se se mostra cumprida a exigência de forma prevista na última parte do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição.
Tenho, aliás, alguma dificuldade em reconhecer que as forças de segurança interna desempenham um «papel fundamental» na garantia de funcionamento da vida em sociedade num Estado de direito, como diz o acórdão, por entender que, tal como a Administração Pública em geral, esses serviços constituem apenas um meio (se bem que de especial relevância) de que dispõe o Estado para desempenhar correctamente — e, em regra, através do Governo — a missão que a Constituição lhe impõe neste domínio.

Carlos Pamplona de Oliveira.

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