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14 | II Série A - Número: 108 | 5 de Junho de 2008

Embora acompanhando o acórdão enquanto extrai do n.º 4 do artigo 272.º da Constituição a exigência de acto legislativo para a conformação do regime jurídico próprio de cada força de segurança, divirjo do entendimento maioritário relativamente à extensão ou alcance material dessa reserva de acto legislativo no que toca aos aspectos organizativos sobre que incide o pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade.
Seguramente que cabe na reserva de lei a criação e a definição de tarefas e direcção orgânica de cada força de segurança. Mas só os aspectos essenciais do regime de cada força de segurança pertencem à reserva de acto legislativo, podendo o mais ser deixado ao poder regulamentar do Governo [artigo 199.º, alínea c), da Constituição], como responsável pela Administração Pública que as forças de segurança integram. O que se considera essencial para determinar o âmbito da reserva de lei (por confronto com acto de natureza regulamentar) tem de ser delimitado em função das razões que presidem à imposição constitucional específica (isto é, que vai além do princípio geral da precedência de lei) de que seja a lei a fixar o regime das forças (de cada força) de segurança. Admitida a diferenciação, que em último termo é de geral para particular, entre o que cabe na expressão «regime das forças de segurança» no contexto do artigo 164.º e na previsão do n.º 4 do artigo 272.º da Constituição, para este último efeito, é conteúdo necessário de acto legislativo tudo o que, relativamente a cada uma dessas forças, a caracteriza enquanto tal e na repartição de tarefas entre os elementos integrantes do sistema de segurança interna (a sua missão e atribuições), bem como aquilo que, nos aspectos materiais, orgânicos e no estatuto dos seus membros, discipline a sua actuação na defesa da legalidade democrática e da segurança interna em domínio que afecte ou possa contender com os direitos dos cidadãos e a preservação do Estado de direito democrático e do Estado unitário.
Nesta perspectiva, no aspecto organizativo, o essencial é que se defina a estrutura da força de segurança em causa de modo a assegurar a sua unidade em todo o território nacional, a composição dos seus órgãos e a respectiva competência, isto é, o complexo de poderes funcionais que a cada um destes cabe na prossecução das atribuições que a essa força são cometidas. Fundamental neste domínio de determinação de competências, o que a lei não pode deixar para o poder normativo da Administração, é saber qual o centro de poderes funcionais que pode praticar os actos susceptíveis de colisão com os direitos dos indivíduos e com a preservação dos interesses da comunidade, seja em matéria de prevenção e detecção criminal seja em matéria de investigação, que à Polícia compete prosseguir. A defesa da legalidade democrática e a garantia dos direitos dos indivíduos exigem que a lei defina como essa força de segurança se estrutura, o que pode fazer e quem pode praticar actos com eficácia externa no exercício desses poderes. O que o Decreto n.º 24/X da Assembleia da República satisfaz (cfr, designadamente, os artigos 21.º e 22.º, n.º 1, os artigos 23.º a 26.º, os artigos 32.º a 36.º e os artigos 2.º, 4.º, 5.º, 11.º e 12.º do Decreto em apreciação).
A afectação interna das tarefas operativas e instrumentais, a distribuição pelos diversos serviços da estrutura legalmente definida das competências pré-fixadas à Polícia, não contende com o carácter unitário da sua organização para todo o território nacional (a proibição de forças de segurança locais ou regionais), nem interfere com os termos, seja de conteúdo ou pressupostos, seja de nível orgânico, em que esta pode afectar os direitos dos cidadãos. Titulares dos poderes de polícia são os órgãos (director nacional, directores nacionais adjuntos, directores das unidades nacionais, directores das unidades territoriais), não os departamentos ou serviços (as «unidades», na nova terminologia) que estes dirigem ou chefiam. A regulação da competência das diversas unidades limita-se a situar ou deslocar internamente a responsabilidade pelo desempenho da tarefa, seja esta investigatória ou de prevenção criminal, seja de apoio imediato à actividade operativa, seja de suporte administrativo e financeiro. Trata-se de normas não relacionais, meramente organizativas (domínio preferencial de intervenção regulamentar — cfr. artigo 24.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro), que não contendem com o nível hierárquico ou com os termos em que se desenvolve a actividade da Polícia com eficácia externa. Interessam, sobretudo, à eficiência da prossecução da missão legalmente atribuída à força de segurança em causa, o que, embora correspondendo a um valor constitucionalmente tutelado, é já matéria de responsabilidade pela boa execução dessa missão. Não estava vedado ao legislador no nosso sistema constitucional de produção normativa, em que não existe «reserva de regulamento» (abstracção feita da caracterização de reservas de autonormação, que não vem ao caso), descer a esse pormenor organizativo. O que não vejo é razão — seja da defesa dos direitos dos indivíduos, no gozo tranquilo das liberdades e direitos que lhes assistem, seja da defesa da segurança da comunidade — para elevar essa especificação a conteúdo necessário do regime legal de cada força de segurança, concebida a essencialidade delimitadora da reserva em função dos valores que o artigo 272.º da Constituição pretende acautelar. Sendo a Polícia Judiciária «um serviço central da administração directa do Estado», por cuja operacionalidade e eficácia o Governo é responsável no exercício de funções administrativas (artigo 199.º da Constituição), cabe na discricionariedade do legislador esgotar a disciplina da matéria ou deixar o espaço normativo aberto à maior proximidade e flexibilidade do poder regulamentar do Governo, por entender que é adequado um procedimento normativo mais leve e flexível, que melhor possa responder à susceptibilidade de variação dos meios disponíveis e da avaliação da realidade sobre que actuam. O que não significa eximir a normação produzida pelo Governo a qualquer possibilidade de controlo pelo Presidente da República, como adiante veremos (infra n.º 2).