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12 | II Série A - Número: 108 | 5 de Junho de 2008

Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública) ou decreto-lei do Governo (como, em regra, acontece). Proibida é, em qualquer caso, a fixação do regime geral ou privativo das forças de segurança através de diploma legislativo regional e, muito menos, de regulamento administrativo (…)» (João Raposo, em Direito policial I, na página 42, da ed. de 2006, da Almedina).

Esta última opinião é também apoiada por Pedro Machete que a transcreve (em Constituição Portuguesa anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo III, página 681, da ed. de 2007, da Coimbra Editora).
Sendo evidente a importância da actividade das polícias na garantia dos direitos à segurança e à liberdade consagrados no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e na defesa do Estado de direito democrático, entendeu-se subordinar à lei a construção do regime específico de cada uma das diferentes forças de segurança, as quais assumem um papel de especial sensibilidade e relevância na Administração Pública.
Se não é razoável retirar ao Governo a possibilidade de definir a estrutura de cada uma das forças de segurança, pois é ele que deve responder politicamente pela sua operacionalidade e eficácia, também tem sentido que se imponha que essa definição seja feita através de acto legislativo, uma vez que a especial qualificação e sensibilidade da matéria justifica a consagração duma competência concorrente da Assembleia da República e do Governo, que não exclua a possibilidade de intervenção dos representantes directos do povo na sua definição e exija a produção de acto normativo dotado de maiores garantias de participação e sujeito a maior controlo.
A actividade de garantir a segurança dos cidadãos, assegurando-lhe o gozo tranquilo das liberdades e direitos que lhes assistem, é demasiado importante no funcionamento do Estado de direito, para que a definição do regime específico de cada um dos organismos que têm essa missão seja deixada a uma normação administrativa.
Na verdade, a essencialidade da matéria a regular afasta quaisquer dúvidas sobre a necessidade de emissão de acto legislativo geradas pela redacção do preceito e dos debates ocorridos aquando da Revisão Constitucional de 1997.
Nesses regimes específicos das diversas forças de segurança assume fundamental importância a sua organização interna. Se este aspecto não assume relevância quanto às implicações que a actividade policial pode representar para os direitos e liberdades dos cidadãos, como acima se constatou, já o adequado modo de funcionamento interno duma força de segurança não deve escapar à reserva de acto legislativo imposta pelo n.º 4 do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, em matéria de organização interna de qualquer entidade, em especial de uma força de segurança, a definição da distribuição de competências pelos diferentes serviços ou unidades que a compõem assume uma relevância crucial.
Para esse efeito, não basta prever-se a existência desses serviços ou unidades, atribuindo-se-lhes uma designação (nomeadamente «nacional», «regional», «territorial» ou «local») que, na prática, nada revela sobre as respectivas competências. Sem a mínima indicação concreta das competências dos serviços ou unidades em questão, desconhece-se quais as funções que os mesmos vão assegurar e fica-se perante um simples organigrama que constitui um esqueleto vazio de conteúdo, o qual pode ser preenchido, nos termos propostos, por um número restrito de membros do Governo, sem qualquer possibilidade de controlo pela Assembleia e pelo Presidente da República.
Se os novos tempos exigem a criação nas forças de segurança de estruturas que não se revelem demasiado rígidas, de modo a não dificultar o acompanhamento das constantes mutações do fenómeno criminal, isso não justifica que a definição das suas competências internas seja deslegalizada, sob pena de desrespeito pelas actuais regras de equilíbrio e controlo dos diferentes poderes do nosso Estado de direito democrático, em matérias constitucionalmente consideradas de especial importância.
De tudo o que se vem dizendo, conclui-se que a fixação de competências das diferentes unidades da PJ constitui matéria abrangida por reserva de acto legislativo, nos termos do n.º 4 do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a remissão da regulação desta matéria para portaria constitui uma violação a essa reserva, o que determina a inconstitucionalidade das normas sob fiscalização.
Alcançado este juízo positivo de inconstitucionalidade, fica necessariamente prejudicada a apreciação da alegada questão subsidiária de violação de reserva de decreto regulamentar.

Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 22.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, do Decreto da Assembleia da República n.º 204/X, na parte em que determinam que as competências das diversas unidades da Polícia Judiciária são estabelecidas nos termos da portaria referida no mencionado n.º 2 do artigo 22.º, por violação da reserva de acto legislativo imposta no artigo 272.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Lisboa, 30 de Maio de 2008.