O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

15 | II Série A - Número: 108 | 5 de Junho de 2008


Acresce que, a meu ver, não é exacto que a estrutura definida pelo Decreto em apreciação (artigo 22.º e artigos 27.º a 31.º) equivalha a um mero organigrama, isto é, que seja vazia de conteúdo normativo quanto às tarefas que podem ser alocadas a cada uma das «unidades» que a compõem. Num domínio de comunicação racional como é o espaço de normação pública, há que respeitar a força prescritiva dos termos usados pelo legislador, pelo que não pode deixar de reconhecer-se a cada uma dessas unidades um núcleo competencial inerente ao conteúdo normativo da própria designação e à sua inserção e relacionamento sistemático no quadro geral de competências em que comunga (artigo 9.º, n.os 2 e 3 do Código Civil). Por exemplo, não me parece que possa duvidar-se de que, no âmbito dos crimes que a lei da organização da investigação criminal reserva à competência da Polícia Judiciária, à Unidade Nacional Contra-Terrorismo competirá a prevenção, detenção e investigação dos crimes previstos na lei de combate ao terrorismo e que à Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes caberão competências similares quanto ao tráfico de estupefacientes, embora possa haver uma margem de regulamentação, v. gr., quanto à absorção das competências relativas ao narcotráfico ou à criminalidade financeira internacional ou transnacional instrumentais ou conexos com o terrorismo.
Assim, não acompanho o acórdão quando conclui que a fixação das «competências» das diferentes unidades orgânicas da Polícia Judiciária constitui matéria abrangida por reserva de acto legislativo nos termos do n.º 4 do artigo 272.º da Constituição.
2 — Isto posto, tornar-se-ia necessário apreciar o terceiro fundamento de inconstitucionalidade invocado no pedido: a violação da chamada «reserva de decreto regulamentar».
O artigo 112.º, n.º 6, da Constituição estabelece que «[o]s regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso dos regulamentos independentes», acrescentando o n.º 7 que «[o]s regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão». Da conjugação destes preceitos constitucionais resulta que os regulamentos independentes são aqueles cuja lei habilitante se limita a definir a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, o que sucede quando a lei é uma pura lei de reenvio ou remissão para regulamento (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, citada, páginas 513-514).
Como o Tribunal reconheceu no Acórdão n.º 620/2007, a exigência da forma de decreto regulamentar para os regulamentos independentes — que estão sujeitos a promulgação do Presidente da República, nos termos do artigo 134.º, alínea d), da Constituição — «justifica-se pela necessidade de evitar que, sob a capa de regulamento independente, o Governo faça aquilo que deve fazer sob forma legislativa, fugindo à intervenção presidencial» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. e loc. cit.); podendo também entender-se que a imposição da forma mais solene de decreto regulamentar decorre da circunstância de os regulamentos independentes «criarem disciplina inicial de relações jurídicas e, em regra, com larga margem de liberdade ou discricionaridade» (Coutinho de Abreu, Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da legalidade, Coimbra, 1987, pág. 83) Ora, os termos em que as normas sujeitas a fiscalização preventiva procedem à remissão da matéria em causa para o poder regulamentar correspondem ao que a jurisprudência do Tribunal tem qualificado como configurando um regulamento independente.
Na verdade, as directrizes gerais sobre a reorganização dos serviços da Polícia Judiciária enunciados na exposição de motivos da proposta de lei (n.º 143/X) que esteve na origem do Decreto n.º 204/X, da Assembleia da Republica, não ganharam forma de lei no articulado do diploma aprovado, não se colhendo neste suficiente indicação do sentido e limites da intervenção regulamentar, pelo que o diploma que venha a definir as competências cuja especificação foi omitida não corresponderá a um acto de execução ou complementar de um regime material que diferencie o campo de intervenção de cada unidade da Polícia Judiciária, mas, sim, a um acto de definição, com eventualidade de comportar aspectos inovatórios substanciais, da distribuição de competências pelas diversas unidades.
Assim sendo, o disposto no n.º 6 do artigo 112.º Constituição impõe que tal regulamentação revista a forma de decreto regulamentar, pelo que a remissão para portaria, contida no n.º 2 do artigo 22.º e no n.º 1 do artigo 29.º do Decreto sob fiscalização viola o referido preceito constitucional, o que determina a inconstitucionalidade das respectivas normas.
Concluiria, portanto e na linha de exigência do Tribunal quanto ao grau necessário de densificação da lei habilitante, que a remissão da fixação da competência das unidades da Polícia Judiciária para portaria, nos termos em que é feita pelas normas compreendidas no âmbito do presente pedido de fiscalização preventiva, viola a exigência de decreto regulamentar resultante do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição

Vítor Gomes

Declaração de voto

Divergi do acórdão, porque entendo que as normas constantes dos artigos 22.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, do Decreto da Assembleia da República n.º 204/X, não violam a reserva de acto legislativo imposta pelo artigo 272.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.