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62 | II Série A - Número: 105 | 16 de Março de 2011

Os riscos normais de operação — como a diminuição da utilização de uma linha férrea, ou as consequências de uma crise financeira — são, pela sua natureza, tipicamente privados. No entanto, este tipo de abuso e espoliação dos recursos públicos é sistematicamente atribuído a falhas da parte pública nos termos inicialmente contratualizados. É sobre esta negligência do Estado português que os grupos e consórcios têm imputado ao Estado os custos resultantes de riscos que, à luz do senso comum e das práticas internacionais, seriam privados.
Também as modificações unilaterais introduzidas pelos governos nos contratos iniciais (modificações de tarifários, alterações de traçados, mitigação de impactos ambientais, etc.) têm-se tornado pretextos preciosos para renegociações contratuais altamente penalizantes para o Estado.
Uma importante parte das renegociações passou a ser feita por ajuste directo, sem que o Estado garantisse a negociação dos níveis de rentabilidade para os parceiros privados, em muitos casos exagerados para o nível de risco assumido. Em 31 de Dezembro passado terminou o contrato com a Fertagus (Grupo Barraqueiro). Três dias antes, foi activada uma cláusula de renovação automática, sem concurso, até 2019. Para anular a providência cautelar interposta pela Transdev, o Estado alegou que 86 mil pessoas ficariam sem transporte caso a decisão do tribunal se mantivesse. Meses depois, aos protestos da Transdev perante a renovação sem concurso da concessão á Fertagus, respondeu o MOPTC, em nota oficial: ―um novo contrato conduziria á renegociação da concessão com a entrada em funcionamento da terceira travessia do Tejo, o que implicaria um processo de reequilíbrio financeiro indesejável‖. Esta parceria, assinada em 1999, por um prazo de 11 anos, derrapou já 114 milhões, repartidos entre compensações, taxas de utilização, prestação de serviços e custos de renegociação do contrato.
Outra concessão ao mesmo grupo Barraqueiro, a do Metro Sul do Tejo, é um caso de má gestão e de estatização do risco. Com um tráfego abaixo de metade dos 80 mil passageiros previsto em contrato, a Fertagus (grupo Barraqueiro) tem reclamado e recebido pesadas indemnizações compensatórias que contribuem grandemente para uma derrapagem financeira de cerca de 80 milhões de euros.

Sombras sobre renegociações e encargos futuros Segundo a Lei de Enquadramento Orçamental, é dever do Ministério das Finanças incluir na proposta de Orçamento do Estado informações detalhadas relativamente às PPP em curso, bem como o limite máximo de compromissos a assumir com contratos de prestação de serviços em regime de financiamento privado ou sob a forma de PPP.
Mas, contra a lei de enquadramento, os Orçamentos do Estado têm apresentado estimativas incoerentes sobre os encargos com as PPP, não incluindo encargos com projectos a lançar ou encargos adicionais resultantes dos chamados processos de ―reequilíbrio financeiro‖ das PPP em curso. De igual forma, tambçm as metodologias de apuramento dos encargos com as PPP e os termos de renegociação dos contratos não tem sido objecto de divulgação pública suficiente. O Orçamento do Estado para 2011 revela a atitude leonina destes grupos e dos seus financiadores na negociação com Estado. De facto, o Orçamento prevê o pagamento pelo Estado, em 2011, de 587 milhões à banca por ―reequilíbrios financeiros‖ acordados em 2006 e 2008 com os sindicatos financiadores de duas concessões rodoviárias, a concessão Norte (da Aenor: consórcio Mota Engil/BES, financiado pelo BES, CGD e BCP) e da Scut Interior Norte (da Norscut, consórcio liderado pela Sonae e financiado pelo BCP). No primeiro caso, trata-se de 216 milhões de euros pelo atraso na conclusão da operação da Concessão Norte — no caso da Scut Interior Norte, está em causa uma compensação de 320 milhões pelo chumbo ambiental ao traçado da A24, para proteger os lobos de Trás-os-Montes. A recusa da banca — parte dela envolvida em consórcios concessionários de PPP — em renegociar com o Estado os prazos destes pagamentos é justificada com alegações sobre dificuldades da crise financeira, mas contrasta com os lucros declarados pelo sector e com a decisão de distribuir dividendos aos accionistas, tomada por algumas destas instituições. Num ano de especiais dificuldades para as finanças públicas, esta intransigência pela parte dos grupos financeiros e a passividade do negociador público tornam-se chocantes para todos aqueles a quem têm sido, não só pedidos, mas efectivamente impostos duros sacrifícios.